quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Gen. Petraeus convoca a imprensa pró-guerra

16/8/2010, Norman Solomon, Commondreans

Traduzido por Vila Vudu

Norman Solomon é jornalista, historiador e ativista pacifista.

É membro do grupo Fairness & Accuracy In Reporting (FAIR).


Já é história: em meados de agosto de 2010, o comandante do exército dos EUA no Afeganistão lançou gigantesca campanha de mídia, para impedir qualquer retirada significativa das forças militares, no próximo verão.


Na 2ª.-feira, imediatamente depois de o Gen. David Petraeus ter dado longa entrevista no domingo, ao programa “Meet the Press” [Encontro com a imprensa], da rede de televisão NBC, para promover o esforço de guerra, o jornal New York Times publicou, em primeira página, a entrevista que o general dera ao próprio jornal, e noticiou que o general “sugeriu que resistirá a qualquer tipo de retirada rápida ou em grande escala, das forças norte-americanas”.


De fato, o general apenas comentou que poderia vir a opor-se a qualquer redução no nível das tropas dos EUA que estão no Afeganistão no período de um ano. Sobre a entrevista à NBC, o NYTimes comentou que “Petraeus pareceu estar deixando aberta a possibilidade de não recomendar qualquer tipo de retirada de soldados norte-americanos no próximo verão.”


Na mesma 2ª-feira, o Washington Post também publicou uma linha sibilina sobre Petraeus que, repentinamente, parece extraordinariamente empenhado em dar entrevistas; para o Post, “Petraeus continua a apoiar a decisão do presidente Obama de iniciar a retirada no próximo mês de julho, mas disse que é cedo demais para definir o tamanho da retirada”. O jornal observou que “a presença do general em Cabul, não no quartel-general do Comando Central dos EUA em Tampa, dá força extra à sua voz, para reduzir a retirada, se escolher essa via.”


“Reduzir a retirada” significa manter a máquina de guerra girando com força máxima.


Sejamos bem claros sobre o que está acontecendo. O alto comando do exército no Afeganistão – evidentemente com pleno apoio da Casa Branca – desencadeou feroz blitz pela imprensa, para detonar qualquer possibilidade política de qualquer retirada daqui a um ano. A pleno galope, montado na imagem de que seria um “militar civil”, Petraeus está no comando de um movimento estratégico, com a imprensa, para manipular o que deveria ser processo democrático para decidir questões de guerra e paz.


E quem é, em última instância, o responsável por esse movimento manipulatório e antidemocrático? O comandante-em-chefe.


Muito suspeita e perigosamente, a ofensiva de imprensa de Petraeus foi posta em andamento poucos dias depois de o porta-voz do presidente, Robert Gibbs, ter comprado briga contra a ala progressista do Partido Democrático – o grupo que tem feito empenhada oposição à guerra no Afeganistão.


Mais de quarenta anos depois de o presidente Johnson ter usado a expressão “nervous Nellies” [aprox. “as nervosinhas”; na cultura norte-americana, corresponde à imagem de mulheres superansiosas, assustadiças, excessivamente preocupadas com a família] para desmoralizar o número crescente de Democratas que se manifestavam contra a guerra do Vietnã, a Casa Branca de Obama agora obra para desmoralizar os dissidentes progressistas, com expressões como “a esquerda profissional” [1].


Semana após semana, o presidente Obama sacrifica incontáveis vidas e bilhões de dólares a serviço do que Martin Luther King Jr. chamou – noutro momento de enlouquecido e horrendo esforço de guerra dos EUA – de “a loucura do militarismo”. Naquele momento como hoje, a Casa Branca pôs lenha na máquina de guerra do Pentágono, na ânsia de parecer forte e escapar às acusações de fraqueza feitas pelos Republicanos.


Embora a história não seja igual ontem e hoje, repete-se e rima. Como um réquiem.


Hoje, como nos tempos finais do Dr. King, a guerra está em franca escalada, enquanto as vozes que se calam coniventes, ou que gritam a favor da guerra são vistas como sábias, prudentes. Quem não concorda e se cala, como sempre, é cúmplice.


O problema mais imediato que o governo e o Pentágono enfrentam é obter, para a guerra, o aval da opinião pública. Por isso é hora, agora, de falar contra os esforços de um general comandante para fazer de uma nação, rebanho de ovelhas, e nos arrastar, todos, para mais guerra. Não importa quem trabalhe para persistir na loucura do militarismo.


Temos de resistir.


Nota de referência:

[1] Sobre isso, ver: Casa Branca desabafa contra a “esquerda profissional (10/8/2010)


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Gen. Petraeus Goes to Media War