sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Osama (não) deixou o prédio

30/10/2010, *Pepe Escobar, Asia Times Online - Osama has (not) left the building
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 

Pelo duvidoso privilégio de sustentar o establishment de inteligência dos EUA – 16 agências e a correspondente sopa de letrinhas de siglas – para a missão de não encontrar Osama bin Laden e o número 2 da Al-Qaeda Ayman al-Zawahiri, os contribuintes norte-americanos têm agora de encarar uma conta de aterrorizantes 500 bilhões de dólares (ainda aumentando). Apesar disso, as perguntas óbvias continuam a ressoar de Seattle a Selma e da Suíça à Suazilândia. Onde está Osama? Que fim levou al-Zawahiri? E o mulá Omar, o Supremo, que escapa na garupa de motocicletas talibãs?

Para começar, por que a inteligência dos EUA não pergunta ao ministério das Relações Exteriores da França? O pessoal lá jura sobre suas gravatas Dior que Osama está vivo – e ouve-se sua autêntica voz de mestre da Jihad em fita gravada divulgada pela rede al-Jazeera, semana passada. Na gravação, Osama não economiza palavras para alertar a França que a Torre Eiffel pode enfrentar turbulências diferentes das normais nos próximos dias (a torre já foi evacuada duas vezes, nos últimos tempos).

Osama – ou a alma penada que se faz passar por ele – disse: “Se vocês continuam a nos tiranizar e acham que têm pleno direito de proibir mulheres livres de usarem a burqa, por que não temos, nós, o direito de expulsar de nossas terras os seus exércitos de ocupação, arrastando-os pelo pescoço?” Ansiosa, Paris levou extremamente a sério a analogia.

Janela com vista
Então, já que não há dúvidas de que muita gente acha que Osama parece estar vivo e em bom estado de saúde, e que concluiu com sucesso a migração da tecnologia de fitas cassete TDK para os MP3 (a menos que circunspectos diplomatas franceses tenham mentido; e a menos que se apaguem do arquivo as gargalhadas que se ouvem cada vez que dúzias e dúzias de “analistas de inteligência” dos EUA afirmam e reafirmam que jamais divulgaram fitas falsas de Obama)... a parte que interessa é saber onde fica seu humilde tugúrio.

Ou, então... Por que não recorrer à formidável Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e àquele mais extraordinariamente sofisticado conjunto de armas e equipamentos e tecnologias de guerra do planeta – e, de fato, nem se entende por que estão sendo tão espetacularmente derrotados no Afeganistão. Porque estão, sim, perdendo a guerra, nesse exato instante em que conversamos. (O legendário Mikhail Gorbachev, que sabe bastante sobre perder uma ou duas guerras no Hindu Kush, – acaba de cunhar fórmula sincopada e clara: “É impossível vencer no Afeganistão. Obama tem de providenciar a retirada. Por mais difícil que seja.”)

O caso é que oficiais da OTAN acabam de deixar vazar para a mídia comercial global que “Osama está escondido em algum ponto do nordeste do Paquistão”. Oh! Ah! É mesmo? Estará em Miram Shah, na fronteira com a província Paktika? Ou estará em Parachinar, perto de Nangarhar (exatamente para onde Osama e al-Zawahiri fugiram, escapados de Tora Bora em dezembro de 2001)? Ou talvez esteja em Chitral, perto de Kunar? Ou... Ah! Pode também estar na estrada Karakoram, junto à fronteira com a China?

[Espera, espera. Nenhuma resposta pelo rádio.] Os rapazes da OTAN não sabem – como tampouco parecem conhecer a complexa geografia daquelas montanhas e as rivalidades tribais da parte sul do Hindu Kush. Os rapazes da OTAN, parece, estão repetindo o que dizem aquelas filas de chamados “analistas de inteligência” dos EUA, que juram, todos, do alto do ar condicionado de seus “think tanks”, que Osama ainda controla o “comando estratégico” da al-Qaeda, de uma base instalada “em local não sabido, no Paquistão”. O Paquistão é do tamanho de duas Californias. Tente encontrar uma agulha maluca no palheiro do [deserto] Mojave.

Os rapazes da OTAN também juram que o mulá Omar esconde-se, sempre trocando de esconderijo, entre Quetta, capital do Baloquistão, e Karachi. Ora, ora... Talvez se desloque de ônibus (pelo “corujão” do deserto) ou camuflado em caravana de burros. Não interessa. Ninguém o encontrará por aí. Mas... e, talvez, se tentassem a suíte presidencial do Hotel Serena, em Quetta?

É possível que o aparato da inteligência do Paquistão saiba alguma coisa. “Não sabemos de nada!” – grita o embaixador do Paquistão à ONU, Hussain Haqqani, “A causa pela qual a OTAN nada declara oficialmente é que a OTAN não tem qualquer base para declarar coisa alguma”.

Nesse caso... a inteligência do Paquistão, ou alguns agentes que operam dentro da inteligência do Paquistão, saberão de algo. Nesse caso, a CIA também saberia. Como disse o embaixador Haqqani: “Se alguém supõe que o Paquistão teria algum interesse em proteger bin Laden, é porque andou fumando o que não deveria fumar”.

Bem, bem... Se andaram fumando, ninguém fumou fumo do Hindu Kush do bom – porque Haqqani continua a jurar que Washington e a OTAN não compartilham “inteligência alguma” com o Paquistão, sobre Osama, já faz tempo, uns poucos anos. Será por que – como no famoso ditado hollywoodiano – ninguém sabe, ninguém viu?

O homem invisível
Na vida real, a verdade é que uns poucos seletos membros dos serviços secretos do Paquistão sabem – porque seguem todos os passos de Osama desde o início dos anos 1980s. Mas não falam e jamais falarão. A evidência de que a CIA e as 16 agências e correspondente sopa de letrinhas de siglas da comunidade de inteligência nos EUA não sabem, isso, sim, diz muito, muito, sobre um establishment de “inteligência”, cujos um milhão de norte-americanos empregados têm, todos, credencial para acesso a documentos de segurança máxima. São um milhão de norte-americanos absolutamente sem serventia alguma, no que tenha a ver com reunir em campo informação de inteligência, entre a população, no sul do Hindu Kush.

Nesse caso, talvez, então, devessem consultar o Exército do Paquistão. O general Ashfaq Parvez Kiani – queridinho do Pentágono – esteve em Washington para a terceira rodada do que se conhece como “diálogo estratégico” com o Pentágono. Posso imaginar o almirante Mike Mullen, comandante do estado-maior das forças dos EUA, perguntando a Kiani, “Se o Waziristão Norte é o epicentro do terrorismo, onde al-Qaeda está amoitada, por que vocês não vão até lá com seus tanques flamejantes e os desentocam e mandam para nós?"

Em tese, Kiani pode fazer isso – e até já prometeu ao Pentágono, que fará. Mas fará? Não, não fará. Kiani apenas sacudirá um pouco, para mostrar algum serviço, os Haqqanis, liderados por Sirajuddin Haqqani, filho primogênito do legendário mujahid Jalaluddin Haqqani; enquanto isso, os agentes do serviço secreto do Paquistão já o terão devidamente informado sobre a operação, para que prepare a retirada em direção contrária.

A base Chapman em Khost, no Afeganistão, do outro lado do Waziristão Norte, é operada pela CIA. Mas que ninguém espere que Chapman chegue às manchetes exibindo os escalpos (“procuram-se! Vivos ou mortos!”) da al-Qaeda. Há, sim, alguns jihadistas árabes da al-Qaeda aos quais os Haqqanis ofereceram asilo e abrigo – no máximo algumas poucas dúzias –, mas todos terão tempo de sobra para cair fora de Dodge, antes de a CIA aparecer, graças aos serviços daqueles selecionados agentes do serviço secreto paquistanês.

O que mais importa é que Kiani não tem tendências suicidárias. Ele sabe que os Haqqanis e miríade de grupos protegidos pelos Haqqanis são intimamente conectados aos Talibãs da província do Punjab. Se Kiani tentar qualquer tipo de ofensiva, choverá sobre o Paquistão, como retaliação, uma tempestade de ataques com homens-bombas. Ninguém, em sã consciência, duvida disso. Nem Kiani, é claro.

Essa retaliação, aliás, acontecerá de qualquer modo, porque, nesse cenário de “ninguém sabe e, se sabe, não fala”, a única arma que resta a Washington são os aviões-robôs não tripulados, para bombardear sem parar o Waziristão Norte até destruir tudo, até a última parede e o último ser vivo.

Sim, é verdade que o governo Barack Obama está também tentando desesperadamente achar uma via para sair do “AfPak”. Nessa operação, a chave é a Arábia Saudita. Não só o mulá Omar, mas vários outros líderes afegãos que se opõem visceralmente à ocupação, como Gulbuddin Hekmatyar e Abdul Rasul Sayyaf, mantêm relações muito estreitas com a Arábia Saudita. Washington agora depende da Arábia Saudita para convencê-los a sentar e conversar.

Nada garante que aconteça (e todos dizem que não estão conversando com seja lá quem for). E mesmo que conversem, nada garante que alguma conversação leve ao fim da guerra (que o Pentágono com certeza não deseja). Quanto ao exército e aos serviços de inteligência do Paquistão, o que realmente desejam é criar um governo satélite do Afeganistão, parte ainda da doutrina de “profundidade estratégiva”; e querem continuar a receber ajuda perpétuca de Washington. Nesse quadro, é essencial ser competente no jogo duplo – o que vale, sobretudo no caso de Osama e al-Zawahiri, a regra de ouro que garante uma eterna “guerra ao terror”, outro nome para a “longa guerra” como diz o Pentágono.

Eles jogam esconde-esconde. Somem e aparecem. Devem-se esperar muitos áudios e filmes de Osama, cada vez mais, de agora em diante. Talvez devam considerar criar seu podcast em iTunes.

Nada sugere, em termos de possibilidades reais, que Osama venha a ocupar as dependências das prisões do ex-vice-presidente Dick Cheney em futuro próximo.

Ainda não deixou o prédio e aprende, de Suspicious Minds, Elvis, 1970[1]: “Estamos os dois presos na mesma arapuca...”.   

*Pepe Escobar é um reporter brasileiro e autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007) e Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge. Seu mais novo livro é: Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009).
Pode ser encontrado pelo e-mail:t pepeasia@yahoo.com .