sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A vida no Tucanistão

Terra
Mapa aponta quantos governadores cada partido elegeu nos estados, em 2010
Mapa aponta quantos governadores cada partido elegeu nos estados, em 2010

Marcelo Carneiro da Cunha

De São Paulo

Estimados leitores, noves fora cá estamos, todos inteiros, uns chamuscados, outros contentes, mas no rumo certo que é o da democracia firme forte, nos levando, esperamos, para nos transformarmos daqui a algumas décadas em uma Dinamarca dotada de ginga.

O que vemos no pós-resultados, é que o Brasil é cada vez mais um país tomado por governos de centro-direita a centro-esquerda, com matizes tropicais por todo lado, claro. Mas a direita, a boa e feroz direita, perdeu, e muito, espaço, fora de Santa Catarina, que segue com o DEM, sabe-se lá por que.

Olhando para o mapa, também dá pra ver que o PSDB, se não emplacou o seu candidato na Presidência, saiu melhor do que entrou, conquistando tantos governos estaduais que, para maior eficiência administrativa - e isso é um segredo ao qual essa coluna teve acesso exclusivo, mediante o pagamente de propina de um pão de queijo e um caldo de cana para o motoboy que levava os mapas para fazer Xerox, - resolveu implantar o que orgulhosamente apresentamos aqui e agora, para você fiel leitor: bem-vindo ao mais novo e mais emergente país emergente do mundo, também conhecido como Tucanistão.

O Tucanistão é parte integrante do Brasil, e, claro, tem fim programado para 2014, quando ele pretende finalmente englobar o que ainda não é São Paulo. O Tucanistão não é absolutamente separatista, e nem faz sentido isso quando tudo que você quer é o todo, mesmo enquanto se contenta em lamber as partes, não é mesmo?

Mas o Tucanistão terá as suas particularidades, claro, consequência da sua dinâmica política, cultural e gastronômica, e essas serão as suas marcas principais, e a exigência de que a sigla BRIC, mude para algo como BRICTBRax, que combina melhor com a visão internacionalista do seu governo e aproveita parte de uma logomarca pela qual que eles pagaram uma grana preta e nem usaram direito.

O Tucanistão terá traje oficial e criado pelo Empório Armani. Mas nas sextas-feiras toda a população masculina estará liberada para andar por aí com camisa social de qualquer cor, desde que azul e colocada para dentro das calças, preferencialmente beges e com cinto de couro marrom; sapato, Democrata.

O Tucanistão terá uma igreja própria, por conta de compromissos de campanha, e inovará criando o primeiro Papa evangélico de que se tem notícia. Os mais cotados para o cargo são o Silas Malafaia e Wellington Jr, claro. Houve alguma demora enquanto se decidia se o melhor sistema era o de concessão ou de partilha, mas após decisão do concílio, o papado vai mesmo a leilão, que acontece nesse instante na FIESP. Acompanhem para ver se já saiu fumacinha branca do telhado, por favor.

Por uma política de irradiação de características regionais importantes para a alma tucanistana, a língua oficial vai ser, claro, o português, mas na sua versão falada em Pindamonhangaba, e, por esse motivo, fica abolido oficialmente o uso da letra "r". O hino está sendo composto nesse instante, mas o ritmo ainda está por ser definido entre sertanejo uspiano e modinha de viola.

Pais e mães terão plena liberdade na escolha dos nomes dos filhos, mas haverá incentivos fiscais para quem preferir Maurício para eles, Patrícia, para elas.

A capital federal vai estar situada, ora, óbvio; e a sede do governo vai ser construída no Itaim em um estilo neoclássico desenvolvido especialmente pela Cyrela para essa finalidade, e que vai ter uma filial da Daslu, uma Casa do Saber - que fará as vezes de Ministério da Cultura, e até mesmo uma sala de uuuuns vinte metros quadrados para os grandes comícios que o PSDB promove de tempos em tempos.

O Tucanistão, como entidade do século 21, vai experimentar várias modalidades de governo em seus diferentes territórios, incluindo a monarquia parlamentarista, a democracia representativa ma non troppo, o coronelismo, e o sistema de clãs tribais em voga na sua fronteira mais ao sul - isso porque São Paulo, como capital federal e sede do império, é quem vai mandar mesmo.

O Tucanistão é pacifista, a não ser que o Zé Dirceu apareça no outro lado da rua, e não pretende impor a sua ideologia a quem quer que seja. Mas Minas Gerais vai ser tratada como território ocupado por conta de umas diferençazinhas que talvez existam entre as lideranças daqui e de lá. Um interventor vai ser nomeado, e o Aécio exilado em Brasília.

Como posicionamento político básico, o governo tucanistano vai ser de oposição, embora ainda não tenha certeza bem como. Sabe-se que, para praticar a saudável arte de ir contra tudo isso que está aí, a militância realizará um treinamento de campo, se opondo a tudo que acontece no Paraguai e na Bolívia. Dali para desafios maiores, é um passo.

O Tucanistão, em sua totalidade, vai ser uma democracia representativa, representada, sempre, por um grande conselho formado por um número significativo de líderes do PSDB, em um total nunca superior a três. Os DEM também fazem parte, claro, mas preferem não aparecer.

Em mais um passo na busca de economia e eficiência, a imprensa oficial passa a ser o Estadão, para não se perder mais tempo com estruturas sobrepostas, e o pedágio nas estradas será dobrado para as pessoas terem alguma coisa a reclamar, já que todo o resto está praticamente solucionado, e bem.

Uma negociação intensa já foi iniciada para que a parte norte do Tucanistão tenha acesso ao mar, antigo e justo anseio dos mineiros e uma provável causa de a província se manter tão rebelde. Trancoso será ocupada, pelos métodos necessários, e transformada num paraíso para os que não queiram passar oito horas na Imigrantes tentando chegar ao litoral tucanense.

A moeda será o real, e o resto do Brasil que adote outra, porque essa foi criada por quem mesmo?

Relações amistosas serão mantidas com Brasília, mesmo enquanto ela permanecer nas mãos de insurgentes, e uma reforma no fuso horário vai ser ampliada para reduzir o período de um dia, que passa a ter doze horas e assim, 2014 já chega no ano que vem. Isso, para alívio de todos os brasileiros que não aguentam mais o radicalismo sindical que tomou conta da República e hoje nos faz viver em uma ditadura da qual só é possível escapar por conta do fato de a nossa moeda estar tão forte e todo mundo ter acesso a viagens aéreas, em mais uma demonstração do fracasso da administração usurpadora do Lula.

Escândalos são revogados, e qualquer irregularidade de até quatro bilhões envolvendo o Metrô será tratada como coisa menor e sem importância.

Como o Tucanistão é a terra das oportunidades, Paulo Preto poderá se candidatar ao cargo de iminência parda da República Tucanistana, bastando para isso topar uma mudança no apelido.

O Tucanistão será um lugar progressista e divertido, onde todo mundo vai poder andar livremente e em segurança. Objetos perigosos serão removidos das ruas, bolinhas de papel se tornarão armas de uso exclusivo da ROTA e bolinhas de sabão declaradas armas químicas e, consequentemente, banidas.

Bem-vindos todos ao Tucanistão. Tragam seus pobres, seus doentes, seus fracos. Que a gente manda loguinho pra longe daqui, onde eles vão ser bem, mas bem mesmo, melhor recebidos.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.


subtraído do Terra Magazine de 5 de novembro de 2010
enviado pelo TIE Brasil

Um comentário:

  1. Parabéns Marcelo espetacular! Texto digno de distribuiçaõ!
    claudio Isola

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