segunda-feira, 6 de junho de 2011

A crise em curso e a cegueira liberal

 Richard D. Wolff
por Richard D. Wolff*

O “W” [1] desta crise está em cima de nós. Os dados mais recentes corroboram: o mercado habitacional esteve em pleno modo W durante cinco meses, pois os preços das casas continuaram a declinar. O desastre dos arrestos continua a agravar a combinação de famílias sem lar com casas vazias. Pense na eficiência capitalista. A taxa de desemprego subiu outra vez acima dos 9%. A duração média do desemprego é agora de 39,7 semanas, a mais longa desde que estes registos começaram a ser feitos em 1948. Os investimentos das empresas estão a desacelerar e governos continuam a despedir trabalhadores.

Mais de 20 milhões de trabalhadores estão desempregados ou subempregados. Mais de um quarto da capacidade produtiva do país permanece inutilizada, ganhando ferrugem e pó. A produção anual perdida com este desperdício de recursos é de US$1 trilhão (dólares). Pense outra vez na eficiência capitalista.

A chamada “recuperação” beneficiou bancos estadunidenses, grandes corporações e o mercado de ações. Ela ultrapassou toda a gente e agora está acabada. É notável que os atingidos, vítimas da crise – a massa de trabalhadores – agora se defrontem com o pagamento daquela recuperação. O “seu” governo emprestou maciçamente para salvar as corporações. Isso promoveu o aumento da dívida nacional. E isso agora “exige” cortes nos gastos governamentais através de reduções “absolutamente necessárias” em empregos no governo, serviços, segurança social, Medicaid e Medicare. Aquilo que o governo poupa ao cortar serviços públicos pode entregar às corporações, aos ricos, e a governos estrangeiros (a começar pela China) que emprestaram os fundos para produzir aquela recuperação (para eles) de vida curta.

Paul Krugman é melhor do que a maior parte dos economistas da corrente dominante. Ele promove as suas visões liberais [2] contra a maior parte daqueles da corrente dominante. Mas Krugman partilha a cegueira liberal clássica. A responsabilidade pela ruína econômica de hoje, aflige-se ele, cabe ao “fatalismo”. O problema para ele é subjetivo. As pessoas – Krugman gosta de apagar diferenças com essa palavra – aceitam que “a recuperação da crise financeira habitualmente é lenta”. Krugman admite que governos anteriores analogamente responderam às crises vagarosamente devido ao seu “fatalismo e sensação de impotência”. O que ele propõe em contrapartida é o habitual conjunto liberal de soluções econômicas “óbvias”: política fiscal agressiva (déficits maiores), redução agressiva da dívida hipotecária (mecanismo não especificado) e assim por diante. As pessoas deveriam fazer estas coisas porque não fazê-las é "simplesmente louco" e porque "o fatalismo... é o principal inimigo da prosperidade".

Paul Krugman
Krugman argumenta que a grotesca injustiça da resposta do governo à crise é causada por uma disposição psicológica – fatalismo – das pessoas. Isso é como atribuir a culpa das crises capitalistas de Keynes ao problema de tomar decisões de investimentos quando confrontados com incerteza acerca do futuro – todos nós enfrentamos a incerteza, não é? Liberais como Krugman evitam localizar problemas económicos no cerne da estrutura de produção capitalista – nas lutas entre patrões e empregados.

Krugman não se preocupa em explicar porque o “fatalismo” mantém crises sucessivas. Ele não pergunta, e muito menos responde, que fatores estruturais podem explicar tal fenômeno. Ao invés disso ele quer que pessoas inteligentes corrijam o erro do fatalismo que aflige mentes de menor envergadura. Os ares superiores em relação àqueles de que discorda reforçam a sua tese de que a falta de talento explica o fatalismo. Respostas vagarosas de governos a crises capitalistas revelam estupidez.

Eis a explicação que falta a Krugman. O capitalismo sempre foi instável. Os governos nunca impediram os ciclos de ascensão e queda apesar de quase todo líder o ter prometido, quando a cada baixa do ciclo não só [promete] atravessá-la "como também assegura impedir a seguinte". Naturalmente, os governos podiam antecipar-se e compensar ciclos com programas maciços de emprego público, investimento público, etc. Os liberais muitas vezes pressionam nesse sentido. Mas os governos recusam a menos que pressões maciças de sindicatos de trabalhadores e de partidos socialistas e comunistas a partir de baixo forcem passos parciais e temporários naquela direção (como aconteceu com FDR após 1933).

A instabilidade do capitalismo decorre em grande parte das lutas entre o patronato e os empregados. As crises surgem quando os lucros da empresa não satisfazem o patronato e os seus acionistas. Eles então reduzem a produção, despedem trabalhadores, cortam suas compras de matérias-primas. Estes passos reduzem lucros de outros patrões os quais reagem da mesma forma. Segue-se a espiral na recessão. O capitalismo desenvolveu há muito tempo um modo de administrar a sua instabilidade inerente. Quando o desemprego cresce e perdura, os desempregados tornam-se dispostos a trabalharem por menos do que antes, o que deita abaixo os salários. Quando os negócios afundam, a resultante inundação de maquinaria e equipamento em segunda mão, fábricas e espaço de escritórios vazios, etc reduz os custos daqueles negócios. Finalmente, quando o trabalho e os custos materiais tiverem afundado bastante, os empregadores vêem suficientes possibilidades de lucros. Seus investimentos retomam e com isto a fase de declínio dá lugar à fase de ascensão.

Por que o governo deveria intervir no método do capitalismo de auto sanar a sua interminável aflição de instabilidade? Afinal de contas, para a maior parte dos capitalistas o declínio dos custos de negócio constitui um método atraente de enfrentar crises. Da mesma forma, a maior parte dos capitalistas não dá boas vindas ao precedente de governos intervirem para resgatar as massas da disfunção do sistema. E a maior parte dos capitalistas certamente não quer pagar os custos de tais intervenções governamentais.

Assim, os capitalistas têm boas razões estruturais – fundamentadas nas suas posições dentro das empresas que dirigem – para se oporem a soluções liberais [2] aos imensos custos sociais de crises capitalistas. A causa do problema não é o fatalismo. Ele é meramente a face externa, superficial, do sistema político não desejoso de contestar a mensagem que vem dos seus principais patrões, os empregadores capitalistas.

Quanto o sofrimento em massa por depressões prolongadas ameaça mover-se rumo ao ataque do próprio sistema, os empregadores capitalistas – e, portanto o seu governo – por vezes reconhecem a necessidade de uma dose pequena e temporária da solução liberal [2] . Mesmo assim, a ação do governo tem menos a vez com o estímulo fiscal que os liberais endossam e mais com uma tarefa diferente: afastar o sofrimento em massa e a ira para longe do anti-capitalismo e rumo à celebração do governo benevolente. Foi o que FDR fez ao estabelecer a Segurança Social e o seguro de desemprego na década de 1930.

A antipatia ultrapassada do liberalismo para com o marxismo – e a ignorância dos novos desenvolvimentos nos pensamento marxista das últimas décadas – e o problema chave, um legado debilitante da Guerra Fria. Essa antipatia e ignorância minam a capacidade do liberalismo para pensar as suas propostas, para fundamentá-las na teoria econômica e na história, e para explicar os “porquês” chaves necessários para escorar os seus argumentos acerca do que está a acontecer, o que deveria estar a acontecer e porque as dois coisas divergem.

Notas de tradução

[1] Abreviadamente diz-se que as crises podem ser em "L" (estagnação prolongada), em "V" (recuperação rápida), em "U" (recuperação lenta), ou em "W" (recuperação rápida seguida de outra queda).
[2] O autor usa a palavra liberal no sentido corrente nos EUA (diferente do europeu): de progressista.

*Professor Emérito da Universidade de Massachusetts – Amherst e Professor Visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University in New York. Autor de New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006) dentre muitas outras publicações. Assista seu filme documentário sobre a crise econômica atual, Capitalism Hits the Fan. O livro Capitalism Hits the Fan: The Global Economic Meltdown and What to Do about It pode ser encomendado no seu sítio web.

O original encontra-se em:Ongoing Crisis and Liberal Blindness
Esta tradução encontra-se em: Resistir.  

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