terça-feira, 20 de dezembro de 2011

EUA fora do Iraque: “Como Maliki e o Irã passaram a perna nos EUA”


Gareth Porter

16/12/2011, Gareth Porter, InterPress Services (de Washington)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O secretário de Defesa Leon Panetta, para quem a saída dos soldados dos EUA do Iraque seria item de uma história de sucesso militar dos EUA, deixa de lado o fato de que o governo George W. Bush e o Pentágono haviam planejado manter presença militar semipermanente no Iraque.

A verdadeira história por trás da retirada dos norte-americanos é outra. Sucesso, sim, mas de uma inteligente estratégia de simulação e diplomacia, posta em prática pelo primeiro-ministro Nuri al-Maliki em cooperação com o Irã. Esses, sim, passaram a perna em Bush e no Pentágono e conseguiram que os EUA assinassem o tratado EUA-Iraque, de retirada das tropas. 

Ex-presidente George W. Bush e o Primeiro-Ministro Nuri AL-Maliki em Bagdá, dezembro de 2008
Elemento central da estratégia Maliki-Irã foi o interesse que Maliki, o Irã e o clérigo furiosamente antiamericano Moqtada al-Sadr partilhavam, de pôr fim à ocupação norte-americana no Iraque, apesar das muitas diferenças que há entre esses três, em outros assuntos. Para governar, Maliki precisava do apoio de Sadr; e Sadr condicionou seu apoio, desde o início, ao cumprimento da promessa que Maliki lhe fez, de que arrancaria dos EUA um cronograma para completa retirada dos norte-americanos do Iraque. 

No início de junho de 2006, um primeiro esboço de plano de reconciliação nacional que circulava entre grupos políticos iraquianos incluía, como um dos itens “um cronograma para tirar os norte-americanos do Iraque”, e a recriação das forças militares. Depois de rápida visita a Bagdá, Bush rejeitou o item sobre o cronograma para a retirada. 

Mowaffak Al-Rubaei, conselheiro de segurança nacional de Maliki revelou, em coluna publicada no Washington Post, que Maliki queria redução de mais de 30 mil soldados, para menos de 100 mil, já no final de 2006; e “retirada completa de todas as tropas remanescentes” ao final de 2007. 

Quando, contudo, o texto integral do plano de reconciliação nacional no Iraque foi publicado, em 25/6/2006, o item sobre o cronograma para retirada completa não aparecia no documento. 

Em junho de 2007, altos funcionários do governo Bush começaram a “vazar” comentários para jornalistas, sobre projetos para manter no Iraque o que o New York Times batizou de “presença quase-permanente”, incluindo pleno controle sobre quatro grandes bases militares. 

Maliki imediatamente despachou para Washington seu ministro de Relações Exteriores, Hoshyar Zebari, para lançar a isca de um acordo sobre tropas ao então vice-presidente Dick Cheney. 

Como Linda Robinson contou em Tell Me How This Ends [1], Zebari sugeriu que Cheney começasse a negociar a presença militar dos EUA, para reduzir os riscos de uma retirada abrupta, que poderia vir a ser, para o Irã, como presente caído do céu. 

Em reunião com a então secretária de Estado Condoleezza Rice em setembro de 2007, Rubaie, Conselheiro Nacional de Segurança do Iraque, disse que Maliki desejava um “Acordo do Estado das Tropas” [ing. Status of Forces Agreement, SOFA] que admitisse a permanência das tropas dos EUA, mas “eliminasse os fatores de atrito que parecem ser violações da soberania iraquiana” (segundo Bob Woodward, em Plano de ataque [Rio de Janeiro: Globo, trad. Cid Knipel, s/d. Orig. The War Within: A Secret White House History 2006-2008, 2008]). 

O Conselheiro de Segurança Nacional de Maliki também trabalhava para proteger o Exército Mahdi contra os EUA, cujos militares já falavam de ataques massivos contra as milícias de Sadr. Em encontro com o coordenador de Bush para a Guerra do Iraque, Douglas Lute, Rubaie disse que seria melhor para as forças de segurança iraquianas encarregarem-se elas mesmas de atacar as milícias do clérigo Sadr, do que para as Forças Especiais dos EUA. 

Explicou à Comissão Baker-Hamilton que o fato de Sadr comandar forças militares não era problema para Maliki, porque o clérigo e seus sadristas já faziam parte do governo. 

Publicamente, o governo de Maliki continuou a garantir ao governo Bush que, sim, os EUA podiam continuar contando com presença militar de longo prazo no Iraque. Perguntado por Richard Engel da rede NBC dia 24/1/2008, se o acordo asseguraria que as bases militares dos EUA fossem mantidas no Iraque, Zebari respondeu: “Esse é acordo para assegurar apoio militar duradouro. Os soldados têm de ficar em algum lugar. Não podem morar na rua.” 

Certo de que arrancaria dos iraquianos um acordo SOFA à moda da Coreia do Sul, o governo Bush entregou ao governo do Iraque, dia 7/3/2008, um esboço de acordo no qual não havia nenhuma limitação ao número de soldados dos EUA no Iraque nem ao tempo de permanência deles no país. E o Iraque tampouco teria qualquer tipo de controle sobre as operações militares dos EUA. 

Mas Maliki tinha uma surpresa reservada para Washington. 

Uma série de movimentos dramáticos executados por Maliki e Irã ao longo dos meses seguintes mostrou que havia acordo já construído entre os dois governos para impedir que os militares dos EUA atacassem o Exército Mahdi e para concluir um acordo com Sadr, que aceitara extinguir seu Exército Mahdi, em troca da garantia de que Maliki obteria a completa retirada, do Iraque, de todas as forças dos EUA. 

Em meados de março de 2007, Maliki ignorou a pressão de uma visita pessoal do vice-presidente Cheney, que exigia que o Iraque participasse de ação contra o Exército Mahdi; e, não satisfeito, vetou inesperadamente os planos dos EUA para aquela grande ação militar contra o mesmo Exército Mahdi, em Basra. Maliki ordenou então que o exército do Iraque atacasse os sadristas. 

Como se poderia prever que aconteceria e aconteceu, a operação em Basra não foi bem-sucedida. E os militares iraquianos pediram a intervenção do general Suleimani, comandante da Força Quds do Corpo de Guardas Revolucionários da Revolução Islâmica: queriam que o Irã interviesse e negociasse um cessar-fogo com o Exército Mahdi, de Sadr. Assim aconteceu. Sadr aceitou o cessar-fogo, embora suas milícias estivessem longe de ser derrotadas.

Mais algumas semanas, e Maliki pela segunda vez impediu que os EUA lançassem ataque ainda maior contra o Exército Mahdi, dessa vez contra a cidade de Sadr. E outra vez Suleimani foi chamado para negociar um acordo com Sadr, que permitiu que tropas do governo do Iraque patrulhassem a área do ex-quartel-general do ExércitoMahdi.

Havia um subtexto nas intervenções de Suleimani. Enquanto Suleimani negociava o cessar-fogo com Sadr em Basra, um website controlado por Mohsen Rezai, ex-comandante do Corpo de Guardas Revolucionários da Revolução Islâmica, publicava comentário em que se lia que “o Irã opõe-se a iniciativas dos clãs linha-dura”, iniciativas que “só enfraquecem o governo e o povo do Iraque e oferecem pretexto para as forças de ocupação”.

Nos dias imediatamente posteriores àquele acordo, a mídia estatal iraniana apresentou o ataque dos soldados iraquianos em Basra como ataque a milícias ilegais e “criminosas”.

O timing de cada um desses movimentos políticos e diplomáticos executados por Maliki parece ter sido determinado em reuniões entre Maliki e altos funcionários do governo do Irã.

Apenas dois dias depois de voltar de uma visita a Teerã, em junho de 2008, Maliki reclamou publicamente das exigências dos EUA que continuavam a insistir, querendo obter acesso ilimitado a bases militares, controle do espaço aéreo iraquiano e imunidade para soldados e mercenários que atuavam no Iraque associados aos EUA. 

Em julho, Maliki revelou que o governo do Iraque exigira completa retirada de todos os soldados norte-americanos do Iraque, conforme cronograma. O governo Bush entrou em estado de choque.

De julho a outubro, o governo Bush fingiu que poderia simplesmente se recusar a retirar-se do Iraque. Simultaneamente, tentava freneticamente forçar Maliki a voltar atrás. 

Até que, afinal, o governo Bush deu-se conta de que o candidato Democrata à presidência, Barack Obama, que disparava nas pesquisas à frente do candidato Republicano John McCain, assinaria qualquer acordo para que os EUA saíssem do Iraque, e quanto mais rapidamente, melhor. Em outubro, Bush decidiu assinar a primeira versão do acordo de retirada, pelo qual os EUA estariam fora do Iraque até o final de 2011. 

Os ambiciosos planos dos militares dos EUA, de usar o Iraque para dominar o Oriente Médio militarmente e politicamente, foram derrotados pelo governo que os próprios EUA implantaram a ferro e fogo no Iraque; e ninguém, nem entre os estrategistas nem na inteligência nem entre os políticos ou na imprensa nos EUA sequer suspeitou do que estava em andamento. Até que já fosse tarde demais.



Nota dos tradutores
[1] ROBINSON, Linda, 2008, Tell Me How This Ends General David Petraeus and the Search for a Way Out of Iraq [Diga-me como isso acaba. Gen. Petraeus e a busca por um modo de sair do Iraque]. NY: Public Affairs.

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