sábado, 25 de fevereiro de 2012

Annan a caminho, rumo ao inferno sírio


24/2/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Puchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Kofi Annan
A escolha de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, para comandar a tentativa de diálogo na crise síria, vem como uma abertura prateada em horizonte escuro. Interessante, é escolha conjunta da ONU e da Liga Árabe (LA). Annan será ajudado por um “vice-Enviado Especial, árabe”. 

ONU e LA anunciram que: “O Enviado Especial [Annan] prestará seus bons ofícios visando a pôr fim a toda violência e à violação de direitos humanos, promovendo uma solução pacífica para a crise síria. O Enviado Especial promoverá consultas amplas e terá contato com todos os interlocutores relevantes dentro e fora da Síria, com vistas a pôr fim à violência e à crise humanitária e a facilitar uma solução política inclusiva liderada pelos sírios e que atenda às aspirações democráticas do povo sírio”. 

Soaram plenos de esperanças de que seja possível alguma solução “mediante diálogo amplo entre o governo sírio e todo o espectro da oposição síria.”

Annan leva, para a crise síria, sua vasta experiência em gerenciamento de conflitos. Sabe que em Ruanda, onde a ONU falhou, o resultado foi guerra civil e um banho de sangue. Mais importante, sabe também das consequências horríveis de intervenções militares estrangeiras unilaterais – no Iraque. 

A ONU vem deslizando perigosamente e já se aproxima de converter-se em apêndice da estratégia ocidental de “mudança de regime” na Síria. Annan tem a oportunidade de reconquistar para a ONU a reputação que perdeu. 

Mais uma vez, a Liga Árabe mostrou que, sozinha, nada consegue fazer. A escolha é jogar como segundo homem das potências ocidentais, as quais, por sua vez, só criarão problemas para a Liga Árabe, apresentada como a voz do arabismo. Egito e Omã têm posição mais nuançada sobre a Síria. Iraque e Argélia opõem-se aos movimentos da Liga Árabe comandada pelos qataris-sauditas contra o regime sírio. A ‘expulsão’ da Síria, da Liga Árabe, deixou cicatrizes. O Líbano também faz graves reservas. Assim, melhor se a Liga Árabe deixar que Annan comande, e parar de tomar iniciativas independentes. 

O melhor cenário será se a crise árabe puder ser encaminhada para uma solução à maneira do Iêmen, com a ONU como mediadora e as grandes potências chegando a algum consenso. 

Bom sinal, até agora, é que um ator chave, a Turquia, parece já menos emocional sobre intervenção na Síria. A opinião doméstica está dividida na Turquia. Os kemalistas seculares alertam para o risco de a crise síria respingar na Turquia, e sobre as implicações de longo alcance do crescimento de islamistas radicais na região. Os militares turcos também estão inquietos, depois dos arranhões que o governo civil infligiu às lideranças militares. 

O campo mais linha-dura é, essencialmente, a Arábia Saudita e o Qatar. [A Jordânia age como coadjuvante; enquanto Israel tem interesses específicos em jogo, se a Síria for enfraquecida, como já aconteceu tanto no Iraque quanto no Egito.] Por outro lado, os sauditas e as potências ocidentais (+Israel) têm interesses convergentes em enfraquecer a aliança Irã-Síria (e Líbano), diminuindo a influência regional da aliança. 

Assim sendo, como Annan atacará esse fruto de casca grossa – o rei Abdullah? O advento da democracia na Síria assusta Abdullah. Iraque e Egito já entraram em tempos de democracia. O Iêmen está andando rápido, também, nessa direção. Se a Síria se democratizar, quanto tempo demorará até que a democracia contamine o Bahrain? Afinal, sim, apesar das deficiências, o sistema iraniano é eleitoral representativo. 

O espectro que ronda Abdullah é que a Casa de Saud fique como um atol cercado, num oceano de democracia. A internet tem alimentado e gerado ecos de insatisfação na Arábia Saudita. As províncias do leste estão em torvelinho; a classe média está inquieta; por todos os lados, contradições sociais afloram à superfície; os príncipes, cada dia mais nervosos, brigam entre entre eles. Abdullah está assustado, à procura de novos amigos e salvadores.  

Annan encontrou uma tarefa talhada para ele. Sua missão vai bem além da questão síria. Trata-se de tentar salvar também a Primavera Árabe. Difícil imaginar missão mais difícil.  [1]




Notas dos tradutores
[1] Mas também seria extremamente difícil imaginar uma cena que o mundo, contudo, já viu, dia 19/3/2003 e que se vê em:
Nosso ministro Gilberto Gil – o mais lindo ministro da Cultura que o mundo jamais conheceu, ministro do presidente Lula – tocando na ONU, com o secretário-geral Kofi Annan “on congas”. Um momento sob todos os aspectos excepcionalmente brilhante, da vida viva, que sempre se deve rever, também em homenagem a Kofi Annan, claro. Como se lê nos comentários ao vídeo: “O dia em que a onu foi a ONU”. Tá dito.
O vídeo completo sempre esteve acessível na página do MinC do Brasil, lugar que lhe cabe por direito histórico. Infelizmente, o MinC de Ana de Hollanda pensa diferente. Buscado hoje, no endereço onde sempre esteve – e onde deve ser reposto imediatamente, quanto antes melhor –  encontra-se a seguinte ESCANDALOSA mensagem:


“This vídeo is currently not available”

  
*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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