segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pepe Escobar - Seis graus de “Separação” (à iraniana)


27/2/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
No fim, ninguém recordará as piadas capengas de Billy Crystal, a perna-explosão de Angelina Jolie saltando para fora da saia, a surpresa fingida de Meryl Streep, a performance à moda cassino de Macau do Cirque du Soleil, ou o narcisismo coletivo embalado em panos & design de um bando de milionários, parte de la crème do 1%, lá, trocando estatuetas de ouro.

Quem mais bem capturou o zeitgeist da noite foi um fotógrafo anônimo, no tapete vermelho: “Mulheraço! Atrás de você, no ângulo esquerdo, Jennifer!”

O Artista pode ter levado o Oscar de Melhor Filme; e o diretor francês Michel Hazanavicius teve, pelo menos, a elegância de agradecer três vezes ao grande Billy Wilder, seu anjo inspirador.

Mas a grande, imensa novidade aqui é o Oscar para o Melhor Filme em Língua Estrangeira para o iraniano Separação, dirigido por Ashgar Farhadi.

Esqueçam a esquizofrenia dos que votam na Academia. Separação também havia sido indicado para o prêmio de melhor roteiro. O filme jamais seria a obra-prima que é, se não tivesse sido cuidadosamente escrito e composto como uma miniatura persa.

E premiá-lo como Melhor Filme em Língua Estrangeira é também tão idiota quanto Robert Downey Jr tentando criar distanciamento brechtiano: Separação é o melhor filme de 2011 em qualquer língua. O Artista é divertissement. Separação é filme sobre todos nós, sobre como lidamos, os seres humanos, com nossos seis graus de separação.

E houve também o discurso de agradecimento do diretor, Farhadi – tão des-hollywoodizado, tão empenhado; e, sobretudo, tão elegante e rico de nuanças quanto o seu filme.
Asghar Farhadi - Diretor de Separação

Nesse momento, muitos iranianos em todo o mundo nos assistem, e imagino que estejam muito felizes. Estão felizes, não só por causa de um filme ou um diretor que recebem um prêmio importante, mas porque, em tempos em que os políticos só trocam ameaças guerra, intimidação e agressão, os iranianos podem afinal ouvir o nome de sua terra, Irã, pronunciado em referência à sua gloriosa cultura.

Cultura rica e antiga, que tem sido soterrada sob a poeira pesada da política. Com muito orgulho, ofereço essa honraria ao povo do Irã, povo que respeita todas as culturas e civilizações, apesar da hostilidade e do ressentimento. Muito obrigado.

Engulam essa, norte-americanos neoconservadores e lobbyistas israelenses doidos-por-guerras!

Separação é filme imensamente político – sem qualquer referência à política. Mostra a política da vida diária, atravessada pela política institucional, numa trama complexa, sem saltos, sem emendas. Nas palavras de Farhadi: “Os mais pequenos problemas, que nem se vêem, de fato”, e que se cruzam com grandes, enormes problemas. Tudo construído com tal arte, tão absolutamente sem saltos e sem emendas, que nem os rígidos censores iranianos detectaram coisa alguma.

Cena de Separação
Os personagens de Separação também podem ser vistos como espelho dos iranianos apanhados no fogo cruzado: de um lado, as proibições tecidas pela ditadura militar do mulariato; de outro lado, as proibições derivadas do coro ininterrupto de ameaças estrangeiras de “bombardear o Irã”; como se devessem esperar um dilúvio anunciado de bombas ‘inteligentes’ made in USA programadas para não gerar nenhum “dano colateral”.

Separação também despachou para a lata de lixo do ciclo de “notícias”, a imunda campanha de propaganda e marketing comandada por Sacha Baron Cohen, para promover seu próximo filme, The Dictator [assista trailer]  – que, como já se vê logo no trailer, não passa de doentia propaganda sionista contra a Primavera Árabe, carregada de islamofobia, para ser engolida ou rejeitada (como muitos rejeitarão), logo ao primeiro quadro. Chaplin nunca engoliria.

Parece que vivemos todos a seis passos de distância, em média, de qualquer outro ser humano, em todo o planeta. Separação, um dos melhores filmes desse até agora infeliz jovem século, lembra-nos que só seis graus, no máximo, separam o nosso aqui, seja onde for, e Teerã.

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