quinta-feira, 15 de março de 2012

(1) Carta de despedida um sócio “ético” de Goldman Sachs; e (2) comentário, na lata, de um leitor escolado


(1) Por que estou deixando Goldman Sachs

13/3/2012, Greg Smith, New York Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Goldman Sachs/Greg Smith
Hoje é meu último dia no Banco Goldman Sachs. Depois de quase 12 anos de firma – primeiro como estagiário, enquanto estudava em Stanford, depois em New York por dez anos, e agora em Londres – creio que trabalhei por tempo suficiente para entender a trajetória da cultura, o pessoal e a identidade do banco. E posso honestamente dizer que o ambiente é agora tão tóxico e destrutivo como sempre o vi.

Pondo o problema em termos simples, o interesse do cliente continua a ser deixado de lado, pelo modo como a firma opera e pensa sobre fazer dinheiro. Goldman Sachs é dos maiores e mais importantes bancos de investimentos do mundo, e é por demais integrado à finança global, para continuar a agir desse modo. A empresa afastou-se tanto do ponto em que estava quando entrei, logo ao sair da universidade, que já não posso dizer, em boa consciência, que me identifico com o que ela defende hoje.

Essa carta talvez surpreenda o público mais cético, mas a cultura sempre foi parte vital do sucesso de Goldman Sachs. Tinha a ver com trabalho de equipe, integridade, um espírito de humildade, e sempre fazer o melhor para nossos clientes. A cultura foi o tempero secreto que fez a grandeza dessa empresa e valeu-nos a confiança de nossos clientes por 143 anos. Não se tratava só de fazer dinheiro; essa ambição, por ela mesma, não teria mantido empresa alguma por tanto tempo. Tinha algo a ver com orgulho e fé na organização. É triste ter de dizer que olho à volta hoje e não vejo praticamente traço algum da cultura que me fez amar trabalhar aqui, por tantos anos. Já não me orgulho, nem acredito.

Mas nem sempre foi assim. Por mais de uma década, recrutei e orientei candidatos através de nosso difícil processo de seleção e entrevistas. Fui selecionado, entre dez colegas (de uma empresa de mais de 30 mil empregados) para aparecer em nosso vídeo de recrutamento, que é exibido em todos os campus universitários que visitamos, em todo o mundo. Em 2006, gerenciei o programa de verão para estagiários em vendas e comércio em New York para os 80 universitários que foram selecionados, dentre os milhares que se candidataram.

Entendi que era hora de sair, quando me dei conta de que já não conseguia olhar nos olhos dos estudantes e falar-lhe sobre a grande empresa em que trabalhávamos.

Quando se escrever a história de Goldman Sachs, os livros talvez registrem que o atual presidente executivo Lloyd C. Blankfein e o presidente Gary D. Cohn perderam o controle sobre a cultura da firma no período sob o comando deles. Creio firmemente que esse declínio na fibra moral da empresa é a mais grave ameaça que pesa hoje sobre sua sobrevivência de longo prazo.

Ao longo da minha carreira, tive o privilégio de servir como consultor de dois dos maiores fundos hedge do planeta, de cinco dos maiores gerentes de patrimônio dos EUA e de três dos principais fundos soberanos no Oriente Médio e na Ásia. Meus clientes tinham patrimônio total de mais de um trilhão de dólares. Sempre senti muito orgulho de aconselhar meus clientes a fazer o que eu acreditava que fosse o correto para eles, inclusive quando significasse menos dinheiro para o banco. Essa atitude é cada dia menos popular no Banco Goldman Sachs. Mais um sinal de que é hora de partir.

Como chegamos ao ponto em que estamos? A empresa mudou o modo como vê a liderança. Antes, liderança era questão de ideias, de dar o exemplo, de fazer a coisa certa. Hoje, se você fizer muito dinheiro para o banco (e conseguir não ser condenado como assassino serial) você será promovido e terá posto influente.

Qual o caminho mais rápido até lá? a) “Malhar” muito, que é a palavra que o Banco Goldman usa para o trabalho de convencer o cliente a investir nas ações e outros produtos dos quais o banco esteja querendo livrar-se porque são vistos como sem potencial de lucros. b) “Matar o Elefante”. Em inglês: conseguir empurrar para o cliente – alguns muito sofisticados, outros não – qualquer coisa cuja venda gere o maior lucro para o Goldman. Chamem-me de antiquado, mas não gosto de vender aos meus clientes produtos que não sejam os mais indicados para cada um. c) Faça de sua sala um lugar onde a principal atividade seja vender qualquer papel sem liquidez, o mais opaco possível, conhecido só por uma sigla obscura.

Hoje, muitos desses líderes exibem uma cultura Goldman Sachs de exatos 0%. Participei de reuniões de vendas de derivativos em que não se consumia nem meio minuto com perguntas sobre como ajudar o cliente. Só se discutiam modos como arrancar deles a maior quantidade possível de dinheiro. Se um marciano aparecesse numa daquelas reuniões, logo concluiria que o sucesso do cliente absolutamente não era problema de nenhum dos presentes, nem interessava ao processo.

Eu fico doente de ver o à vontade com que aquelas pessoas falam sobre “descascar o cliente”. Nos últimos 12 meses, vi cinco diferentes diretores referirem-se aos próprios clientes como “os Muppets”, algumas vezes em e-mails internos. Mesmo depois da US Security and Exchange Comission, do Fabulous FAB  [1], Abacus [2], “God’s work” [3], Carl Levin [4], “Vampire Squids” [5]? Nenhuma humildade? Quer dizer... Vamos e venhamos! Integridade? Acabou. Não sei de nenhum comportamento ilegal, mas continuarão a empurrar aos clientes, mentindo que são “lucro certo”, investimentos complexos, mesmo quando nada têm a ver com os objetivos e interesses do cliente? Sim, sem dúvida alguma. De fato, é o que fazem todos os dias.

Surpreende-me sempre que a alta gerência ignore uma verdade tão básica: se os clientes não confiam em você, mais dia menos dia eles partirão. E não importa o quanto você se ache espertíssimo.

Atualmente, a pergunta que mais ouço dos analistas juniores sobre derivativos é “Quanto dinheiro se pode arrancar do cliente?” É pergunta que me incomoda sempre que a ouço, porque é reflexo evidente do que veem nos superiores e do modo como os veem atuar. Projetem então um futuro de dez anos: ninguém precisa ser engenheiro de foguetes para prever que o analista júnior, sentado e ouvindo atentamente aqueles discursos sobre “muppets”, “arrancar os olhos dele” e “ver o lucro” não será cidadão modelo.

Quando eu trabalhava como analista iniciante, não sabia onde ficava o banheiro e nunca usara sapatos sociais. Aprendi ali a amarrar sapatos; aprendi o que é um derivativo, a entender de finanças, conheci nossos clientes e o que os motivava, como entendiam o sucesso e o que podíamos fazer para ajudá-los a chegar lá.

Os momentos dos quais mais me orgulho na vida – conquistar bolsa integral da África do Sul para estudar na Stanford University, ser selecionado como finalista nacional e ganhar medalha de bronze nas Macabíadas em Israel, em tênis de mesa – foram vitórias ganhas com muito esforço, sem atalhos. Goldman Sachs hoje só tem a oferecer lições sobre atalhos, nada sobre realização pessoal. Já nada ali me parece certo.

Espero que essa carta sirva como sinal de alerta aos diretores. É preciso voltar a concentrar-se no cliente. Sem clientes, nenhum banco faz dinheiro. De fato, vocês nem existem, sem clientes. Varram daí a turma da bancarrota moral, e não importa quanto dinheiro façam para o Banco. E voltem à cultura certa, para que as pessoas que trabalhem para vocês trabalhem pelas razões certas. Gente que só pensa em fazer dinheiro não manterá de pé esse banco – nem manterá a confiança dos clientes – por mais muito tempo.

(2) Comentário, na lata, de um leitor escolado:

TH, MN

Não me parece que alguma coisa tenha mudado muito no Goldman Sachs nos últimos 12 anos. Greg Smith deve ter começado a trabalhar lá logo depois do colapso da bolha da internet, do qual GS foi agente ativo, inflando empresas que não tinham nenhum verdadeiro projeto de negócios. Daí, se mudaram imediatamente para a bolha das hipotecas podres e produtos (podres) derivados. Portanto, a única coisa que pode ter mudado nos últimos 12 anos não foi a cultura do Goldman Sachs: foram os olhos do próprio Greg Smith.

A única coisa que realmente mudou no Goldman Sachs foi que, em 1999, passou a ter ações na bolsa, pouco antes da chegada de Greg Smith. De repente, os riscos passaram, dos ombros dos proprietários privados para os ombros dos acionistas, o único objetivo passou a ser a distribuição de dividendos trimestrais, e a administração foi liberada para fazer o que lhes desse na telha, porque as consequências não recaíam sobre eles. Criou-se assim um espaço gigantesco para ganhar dinheiro pelas frestas, o risco moral. E nada se fez, até hoje, para controlar isso.

(14/3/2012. 169 leitores recomendaram esse comentário)



Notas dos tradutores

[1] Sobre esse escândalo que envolveu um corretor do GS e seus e-mails financeiros-sexuais assinados por “Fabulous Fab”, ver 26/4/2010, “Goldman's “Fabulous” Fab's conflicted love letters”.
[2] Outro escândalo de “hipotecas tóxicas”, envolvendo o mesmo corretor de GS. Ver 16/4/2010, “Goldman Sachs, Fabrice Tourre and the complex Abacus of toxic mortgages

[3] Lloyd Blankfein, CEO de Goldman Sachs, em depoimento à Comissão de Inquérito sobre a Crise Financeira, dia 13/1/2010, disse que GS fazia “trabalho de Deus”. Assista a seguir:



[4]
Senador Democrata, presidente da Subcomissão Permanente de Investigações do Senado, que insistiu para que os executivos de GS fossem acusados e julgados. Sobre isso, ver 14/4/2011, “Sen. Carl Levin Wants Goldman Sachs Execs Prosecuted After His Sweeping Investigation Is Concluded

[5] “Polvos vampiros sugadores”. É expressão que apareceu em artigo de Matt Taibbi, na revista Rolling Stone. Ver 13/12/2001, imagens em: The 'Squidding' of Goldman, Sachs

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