sábado, 17 de março de 2012

Stratfor, a “CIA privada”, comprou um “jornalista de renome”


16/3/2012, Adam Weinstein, Mother Jones
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:
Quem leia os e-mails de Stratfor publicados por Wikileaks e leia as colunas jornalísticas publicadas no Brasil sobre questões internacionais (aquele ridículo festival de “a Casa Branca informou” e “o Observatório Sírio de Direitos Humanos informou que houve 63,78 novas mortes hoje” etc.) – já viu, desde o primeiro e-mail, que o que escrevem os “especialistas” de Stratfor e o que “noticiam” os jornalistas e correspondentes internacionais brasileiros são, de fato, os mesmíssimos péssimos jornalismo & opinionismo mais toscos.  Quanto a Robert D. Kaplan, cuja contratação por Stratfor é aí abaixo espinafrada, sempre foi colunista traduzido e publicado n’O Estado de S.Paulo, como se comprova, por exemplo, em: Novas democracias. Ou algo parecido com isso


Adam Weinstein é reporter de assuntos de Segurança Nacional, Relações Civis-Militares, Orçamento e Política Nuclear. Veterano da Marinha dos EUA e ex combatente no Iraque



Stratfor, a agência-empresa privada de inteligência que tem sede no Texas, e que já foi chamada de “a CIA privada”, ou “a CIA clandestina”, anunciou essa semana que contratou o jornalista Robert D. Kaplan, há muito tempo correspondente nacional do jornal The Atlantic, para trabalhar como “principal estrategista geopolítico da empresa” [1].

É movimento no mínimo curioso, e dos dois lados, e que visa, pelo menos aparentemente, a soprar nova vida naquela empresa, hoje em frangalhos, que viu recentemente seus e-mails de comunicação interna expostos a críticas devastadoras.

“Além de mobilizar todo o vasto conhecimento que acumulou sobre os muitos países pelos quais viajou, Robert trabalhará como valioso mentor de nossos analistas regionais e globais” – disse George Friedman, presidente da empresa Stratfor, em declaração. “Os leitores de Stratfor terão acesso ao pensamento de um dos mais importantes escritores do campo dos assuntos internacionais”.

Muito conhecida (e raramente elogiada) nos círculos políticos e de segurança desde a fundação, nos anos 1990s, Stratfor ganhou as manchetes do mundo no mês passado, quando Wikileaks começou a publicar na rede os 5 milhões de e-mails que hackers capturaram da empresa. Em vez de comprovar os talentos e competências nos prognósticos, sempre alardeados pela empresa, a maioria dos e-mails até agora divulgados só comprovaram o espírito de cínico mercantilismo e de autoelogio desbragado dos empregados da empresa (“Posso pôr as mãos nos materiais confiscados da fortaleza de Osama bin Laden”, um deles escreveu, na noite em que Osama bin Laden foi morto no Paquistão [2]). Desde o início da publicação dos e-mails por Wikileaks, Stratfor viu-se obrigada a oferecer de graça aos clientes [3], as suas análises e informações, antes caríssimas. 

A captura e publicação dos e-mails pode ter provocado grave dano aos negócios futuros de Stratfor; assim sendo, o que sugere a contratação agora anunciada? Kaplan [4] é autor prolífico, cujas dúzias de livros publicados cobrem conflitos em, praticamente, todos os continentes. Suas ruminações pop-históricas sobre guerras – com citações de Tucídides e Bismarck, para fazer sermões sobre democracia, exibem um etos de guerreiro “pagão”, e muito ajudaram a promover a invasão do Iraque – sempre imediatamente citadas e recitadas por líderes políticos de várias bandeiras. Os presidentes Bill Clinton e George W. Bush sabidamente recorreram a seus conselhos, e Kaplan já participou de um influente painel político no Pentágono durante o governo Obama. Nesse sentido, a contratação pode ser vista como um movimento da empresa Stratfor para refazer pontes abaladas com seus clientes dentro do governo, dentre os quais os Marines e o Departamento de Segurança Nacional.

Mas especialistas em política internacional dizem que o casamento também pode ser interessante por razões menos nobres.

“Além do polpudo salário que suspeito que Kaplan passe a receber, a união faz pleno sentido intelectual”, diz Daniel Drezner, professor na Escola Fletcher de Direito e Diplomacia da Tufts University, e blogueiro da revista Foreign Policy, por e-mail: “Kaplan e George Friedman partilham um mesmo senso de determinismo geográfico que os autoriza a proclamar os próprios supostos poderes para prever acontecimentos”.

Robert D. Kaplan
De fato, Stratfor e Kaplan subscrevem uma escola de pensamento tida em alta conta por muitos especialistas em inteligência e política externa. São crentes devotados da “geopolítica”, termo de política externa particularmente caro a Henry Kissinger, que denota um pressuposto cuidado amoral, desapaixonado, pelos “interesses nacionais” (como acesso a minérios e petróleo). É conceito muito discutido em seminários de alunos e frequentemente descartado por gente de melhor estofo, por simplório e imperialista. “O talento de Kaplan consiste em dizer aos poderosos o que querem ouvir, com ares de conhecimento empírico e vestes teóricas, sem que, de fato, haja nem uma coisa nem outra no que dizem”, escreve Robert Farley, professor de relações internacionais que assina um blog em Lawyers, Guns, and Money.

As credenciais jornalísticas de Kaplan não poderiam ser menos confiáveis. Fez fama com matérias sobre terras sempre distantes, em prosa sempre assustadora – cobriu a ação dos mujahideen no Afeganistão em 1990, antes que a maioria dos norte-americanos conseguissem achar o país no mapa. Seus livros são regularmente elogiados pelo New York Times, pelo Washington Post e pelo Wall Street Journal, dentre outros veículos afamados que lhe compram artigos e reportagens. Trabalhou no The Atlantic por mais de 25 anos e foi recentemente listado entre os “100 principais pensadores globais” pela revista Foreign Policy.

Apesar disso, para alguns especialistas em questões internacionais, o trabalho de Kaplan reproduz e perpetua estereótipos étnicos. Segundo um analista britânico de política internacional, o livro Balkan Ghosts, de Kaplan, que se supõe que tenha influenciado as ideias de Clinton sobre Bósnia e Kosovo, é conhecido no campo dos estudos europeus sobre o sudeste da Europa por pintar os povos da ex-Iugoslávia como primitivos e violentos. “É um dos textos no qual nasceu a “teoria” dos “ódios regionais seculares” para explicar as guerras na Iugoslávia”, escreveu-me, por e-mail, aquele analista. “Por isso é considerado texto muito problemático pelo pessoal que há 20 anos estuda o sudeste europeu e os conflitos étnicos.” 

Esse tipo de raciocínio geopolítico redutivo aparece bem claro no primeiro comentário de Kaplan já a serviço de Stratfor, no qual compara a Primavera Árabe às revoltas esquerdistas na Europa de meados do século 19 (“1848 na Europa: o ano que não aconteceu”). Assim também a conversa [vídeo] com Friedman, da Stratford, na qual Kaplan explica que “o Irã é uma potência regional potencial” porque tem acesso às águas cálidas e às linhas de gás natural da Ásia Central  [5]. (E acrescenta: “Os iranianos respondem a pressões, mas só a pressões extremas”.) É perfeito para fazer dueto com Friedman, que disse uma vez, a uma multidão reunida para ouvi-lo em Davos: “Há uma solução para a proliferação [de armas]: bombardear tudo”.

George Friedman
Friedman gosta de dizer que sua empresa não vende mero jornalismo “retrógrado” [6] , o que não é difícil, porque jornalistas sérios não vivem, em geral, de seguir ativistas que se opõem a grandes empresas como Coca-Cola, Intel e ADM. Esse tipo de atividade levanta uma pergunta óbvia sobre Kaplan: Depois de trabalhar para uma butique de espionagem privada, os veículos de mídia continuarão a valorizar seu trabalho [7], ou sua carreira como jornalista está definitivamente encerrada?

Nem Kaplan nem Friedman responderam meus convites para comentar essa matéria. Kaplan ainda aparece listado como correspondente nacional no expediente de The Atlantic, mas, se espera manter o posto ativo, é parada dificílima. Stratfor “é piada”, escreveu Max Fisher, um dos colegas de Kaplan no Atlantic  [8], mês passado.

“A reputação do grupo entre o pessoal das relações internacionais, professores, analistas e jornalistas, é baixa; são considerados mais como panfleteiros que como fonte de informação ou ideias aproveitáveis”, escreveu. “Um amigo meu, que escreve sobre questões de inteligência, disse, certa vez, que Stratfor é The Economist, uma semana antes, e muitas centenas de vezes mais cara”.



Notas dos tradutores

[2] Telegrama 1146487, de 14/5/2011, 1h47, The Global Intelligence Files em: “Re: OBL take -- quick response needed
[3] Março, 2012, Stratfor.com em: FAQ
[5] Blip TV – Stratfor.com –Confronting Iran's Growing Ambitions (Agenda)
[6] Stratfor single (free) – Institucional
[7] “No Brasil, um carinha como esse Kaplan sempre encontrará emprego de jornalista na Rede Globo e em todo o Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão), com direito a fotinho na página do Instituto Millenium. Na pior das hipóteses, pode fazer um bico no canal Globo News, como yesman do William Waack, ou como professor do Celso Lafer. Avisa-lá!” [risos, risos] (Entreouvido na Vila Vudu).

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