segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Na contramão da Avenida Brasil





Zoroastro Sant’Anna - Jornalista e cineasta
Ilustrações  – redecastorphoto




A Globo mentiu. O mundo não parou por causa do último capítulo da novela de João Emanuel Carneiro. O Jornal da Globo da noite de sexta-feira exibiu um mapa mundi onde destacava os principais países dos quatro continentes e dava a entender que estavam todos ligados no final do folhetim.
Prestem atenção que o Jornal da Globo não afirmou que todo mundo estava assistindo o final da novela, o jornal “deu a entender”, o que é muito pior porque se trata de uma mentira velada. Da mesma forma, o mesmo telejornal mostrou cenas de ruas vazias nas principais cidades brasileiras, todas as classes sociais diante da TV e até os índios de uma longínqua tribo amazônica ansiosos para saber quem matou Max. Enfim, segundo a Globo o mundo parou por causa dela..


Discutir a qualidade técnica e artística das produções da Rede Globo é chover no molhado. Mas não é isto que está em discussão, mas sim o que a Globo faz com a sua excelência de qualidade. Ela manipula, distorce, finge, mente e se apropria da opinião pública impingindo modas, modelos, conceitos, atitudes e comportamentos.

Todo mundo sabe o peso que a Globo teve na eleição de Fernando Collor. O editor-chefe de jornalismo da Rede, Evandro Carlos de Andrade, editou pessoalmente o debate entre Collor e Lula, fazendo parecer que Collor havia ganho o debate, o que não era verdade, uma vergonha para a história do jornalismo brasileiro. Evandro morreu em desgraça em 2001. 

A novela “Avenida Brasil” , como quase tudo que a Globo faz, foi muito bem produzida e escrita rigorosamente dentro das orientações ditadas pelas pesquisas. Cada capítulo foi escrito conforme a direção que o público apontava, não foi simplesmente um exercício de criatividade do fértil novelista, mas sim a aplicação sistemática dos ditames do gosto popular. 


O autor utilizou com maestria todos os arquétipos da nova classe média brasileira, apostando no estresse do ritmo alucinante alimentado por bate-bocas, brigas, baixarias, exacerbação de instintos primários, valores equivocados, sexo, chantagens, intrigas, crimes e vilanidades em geral. No final, apelou para o lugar comum, realizando a catarse da redenção do pecador, Carmem Lúcia se redime, uns vão para a cadeia e outros para o céu como se na Terra tudo fosse divino.

João Emanuel Carneiro é competente. Sua novela “A Favorita”, de 2008, atingiu 55 pontos de audiência e tinha no elenco Cláudia Raia, Patrícia Pillar e Murilo Benício, o mesmo que interpretou o corno-manso Tufão de “Avenida Brasil” novela que agora conseguiu 51 pontos, enquanto a Record e o SBT, juntos, tiveram 5 pontos, um massacre de audiência.


A competência da Globo e a inépcia dos governos permitiram que ela exercesse uma liderança tão absoluta quanto perigosa. Em lugar nenhum do mundo os governos admitem que emissoras privadas de televisão transmitam programação em rede 24 horas por dia, todas são obrigados a ter horários específicos para programação local, fortalecendo os mercados regionais e diluindo o poder e controle das grandes redes.

Todos os países tem suas regras, televisão é uma concessão pública e, por isso, tem compromissos e obrigações, o que não ocorre no Brasil onde as redes operam da maneira que acham melhor e mais lucrativa. O segmento espacial onde transitam os sinais da televisão são propriedade do governo, propriedade da nação, propriedade do povo.

Fui diretor de uma das empresas da Rede Globo e saí de Aracaju para ser um dos fundadores da TV Brasil no Rio de Janeiro, sempre tive uma preocupação muito especial pelo papel da televisão na sociedade brasileira. Quando estive na Globo pertenci ao grupo que defendia a horizontalização da produção, ou seja, implantação do sistema pelo qual produtora produz e emissora emite.

Esse conceito significa que a emissora de televisão, como a própria palavra define, deveria emitir programação, enquanto as produtoras do mercado produziriam os conteúdos, muito mais democrático, mais econômico e mais diversificado. Esse é o conceito que rege a maioria das televisões mundiais, que se reservam a produção do jornalismo, alguns documentários e alguns entretenimentos. Aqui as emissoras produzem quase cem por cento do que exibem.

O indiscutível sucesso da “Avenida Brasil” traz novamente ao debate a questão da hegemonia brutal de uma rede de televisão sobre as outras. O chamado “padrão Globo de qualidade” não é fruto exclusivo da competência da organização, mas também é resultante das benesses políticas, financeiras e legais que todos os governos propiciaram a família Marinho. 


A Globo só existe porque a ditadura militar precisava de uma rede de comunicação de amplitude nacional para controlar a opinião pública e decidiu favorecer os Marinhos, aliados de primeira hora através do jornal O Globo, permitindo uma espúria aliança com o grupo norte-americano Time-Life que injetou, contra a lei, o dinheiro necessário para a implantação da rede, ao mesmo tempo em que asfixiava os Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

Num momento tão importante para o Brasil, quando STF toca numa das mais profundas feridas do país; a corrupção,  seria muito oportuno colocar na agenda nacional a discussão sobre a legislação da concessão dos serviços de telecomunicações, legislação violentada pelo  ex-Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães, que embora a Constituição proíba, concedeu licenças de radiodifusão para inúmeros políticos que posteriormente foram acusados dos mais abomináveis crimes de corrupção, na contramão da democratização dos meios de comunicação no Brasil.

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