quinta-feira, 18 de abril de 2013

Afeganistão: Não será fácil, para os EUA, livrar-se de Karzai


A “solução” golpista SEMPRE aparece, mas...

17/4/2013, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

“Documento lançado pela Fundação Carnegie recomenda que Obama dê por encerradas as negociações do acordo SOFA, pelo menos por hora; e concentre-se no agente de todos os padecimentos dos EUA, a saber, o presidente Karzai; que deve arranjar as coisas de modo a livrar-se dele, varrê-lo da cena política; isso feito, bastaria a Obama instalar lá, como presidente do Afeganistão algum fantoche confiável, a ser eleito nas próximas eleições presidenciais, o qual rapidamente entregaria o acordo SOFA aos EUA, de bandeja” (15/4/2013, Carnegie Endowment for International Peace em: Take the Bilateral Security Agreement Out of Afghan Politics 

Joseph Dunford
O depoimento do comandante dos EUA no Afeganistão general Joseph Dunford, ante a Comissão das Forças Armadas do Senado, em Washington, na 3ª-feira, registra crescente incerteza  no Afeganistão, no cenário da segurança, para o pós-2014. O general Dunford usou essa incerteza como pano de fundo, para defender empenhadamente que os EUA não retirem um único soldado do Afeganistão, no futuro próximo.

Mas só tinha, para argumentar, a perspectiva segundo a qual, no final do verão, todos conhecerão a real capacidade das forças afegãs para assumir a tarefa de lutar contra os insurgentes; então, será mais fácil estimar a presença militar dos EUA que será necessária, para o longo prazo. Mas Dunford disse – para espanto universal – que os soldados norte-americanos devem ser dispostos em Cabul e “nos quatro cantos” do país.

Sobretudo agora, imediatamente depois dos eventos da Maratona de Boston, a opinião pública nos EUA não resistirá muito contra a ideia de estabelecerem-se mais bases militares no Afeganistão – desde que tenham o objetivo declarado de lutar contra a al-Qaeda (?). 

Hamid Karzai
Mas a verdadeira razão pela qual o Pentágono não pode aceitar nenhuma retirada no momento é completamente outra. A questão crucial é que o Acordo do Estado das Forças [State of Forces Agreement, SOFA] ainda não foi assinado; os EUA não sabem ainda, sequer, quais e quantas bases militares e que número de soldados serão autorizados a permanecer no Afeganistão. Os EUA ainda não sabem, tampouco, que imunidade “diplomática” Cabul garantirá aos soldados norte-americanos que fiquem.

Do ponto de vista de Washington, a causa pela qual as negociações para o acordo SOFA continuam emperradas é o presidente afegão, Hamid Karzai, que insiste numa barganha duríssima. Como a rede Xinhua chinesa comentou semana passada, Washington tem motivos para temer que Karzai absolutamente não conceda o que lhe tem sido insistentemente pedido.

Funcionários do governo dos EUA já disseram que, sem o acordo SOFA assinado nos termos que os EUA tentam impor, acaba-se completamente qualquer acerto ou negociação vigente – o que significa que Washington não mais se sentirá politicamente obrigada a cumprir os compromissos de apoiar financeiramente e militarmente a estabilização no Afeganistão.

Duncan Hunter
O conhecido deputado Republicano da Califórnia, Duncan Hunter, que é membro da Comissão das Forças Armadas da Câmara de Deputados, disse em entrevista ao Washington Post, essa semana, que “Se os EUA não obtiverem um acordo SOFA satisfatório e não ganharmos as tropas (sic), o Afeganistão não ganha o dinheiro”.

É simples: sem SOFA, nem dinheiro, nem guerra contra a Al-Qaeda no Afeganistão!

A parte financeira é extremamente sensível, porque a economia afegã é frágil e, sem apoio internacional, teremos um replay da queda do governo de Najibullah, em 1992, quando acabou a ajuda que os soviéticos haviam garantido até ali.

Mas a chantagem de Washington não está, ao que parece, funcionando; a principal preocupação de Karzai, hoje, é a difícil transição política em Cabul, depois das eleições presidenciais de abril de 2014.

Nesse contexto político altamente carregado, com Washington e Karzai andando em círculos, que opções restam aos negociadores dos EUA, para apressar a assinatura do acordo SOFA? De fato, nenhuma.

Documento lançado pela Fundação Carnegie sugere que Obama deve simplesmente dar por encerradas as negociações do acordo SOFA, pelo menos por hora, e, em vez de pensar nelas, concentrar-se no agente de todos os padecimentos dos EUA, a saber, o presidente Karzai; que deve arranjar as coisas de modo a livrar-se dele, varrê-lo da cena política; isso feito, bastaria a Obama instalar lá, como presidente do Afeganistão algum fantoche confiável, a ser eleito nas próximas eleições presidenciais, o qual rapidamente entregaria o acordo SOFA aos EUA, de bandeja.

Dito de outro modo: se suspender as negociações do acordo SOFA, os EUA abrirão para si o espaço necessário para isolar Karzai e assegurar que não consiga atuar como o fazedor-de-reis no Afeganistão.

Vladimir Putin
É quase como se estivéssemos de volta a 2009, quando o enviado especial dos EUA Richard Holbrooke tentou impedir um segundo mandato de Karzai na presidência. Karzai como se sabe riu por último, mas... que opções lhe restam hoje?

Hoje, as circunstâncias são diferentes. Principalmente porque as potências regionais já começaram a também jogar suas cartas no tabuleiro afegão – Rússia, China, Paquistão, Índia, Irã, etc.. E prosseguem as conversações entre russos e uzbeques, em Moscou, na 2ª-feira (e as conversas do vice-presidente indiano M H Ansari em Dushanbe): os estados da Ásia Central não assistirão passivamente aos eventos no Afeganistão.

Islam Karimov
O presidente russo Vladimir Putin e o presidente uzbeque, Islam Karimov  já decidiram “continuar a monitorar bem de perto a questão [da retirada das tropas dos EUA] e coordenar passos conjuntos futuros, sobretudo no que tenham a ver com a possibilidade de prover a ajuda de que o governo do Afeganistão precise para estabilizar sua situação política e militar”.

Interessante, nesse contexto: Karimov chamou a atenção para os ventos geopolíticos que estão soprando na região, vindos do norte da África, pelo Oriente Médio e Golfo Persa, todos extremamente preocupantes, porque podem alcançar a Ásia Central, atravessando um Afeganistão dominado pelos Talibã.

Não há dúvidas de que, embora Karzai já seja um espinho a espetar a carne dos interlocutores norte-americanos, não será fácil livrar-se dele. Karzai tem apoio regional, e sua coalizão permanece intacta (por mais que os paquistaneses se esforcem para desbaratá-la).
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MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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