sexta-feira, 19 de abril de 2013

Criança é tão criminosa quanto um adulto?



Publicado em 18/04/2013 por Urariano Motta*

Recife (PE) - Chega a ser irônico. Neste 18 de abril, temos o Dia Nacional do Livro Infantil, uma homenagem ao dia de nascimento de Monteiro Lobato. Mas ontem veio a público uma pesquisa do Datafolha sobre a redução da maioridade penal. Por que fenômenos tão diferentes se avizinham? Um calendário não se explica, pois na véspera do Dia do Livro Infantil soubemos que 93% dos moradores da cidade de São Paulo querem a prisão para menores a partir de 16 anos. Noventa e três por cento são quase uma unanimidade.

O que é isso? Por experiência, acredito que a pesquisa espelha um dado real. Em um programa de direitos humanos no rádio, o Violência Zero, travamos com travo esse conhecimento. No estúdio da Rádio Tamandaré, no fim dos anos 80, sentíamos a disputa de ideias na sociedade do Recife entre punir sem medida e o direito à justiça. Mas não com esses números. Ainda que sem método científico, pelos telefonemas dos ouvintes, notávamos que a divisão entre os mais bárbaros e civilizados era quase meio a meio. O que houve agora para esse assalto de vingança? Segundo o Datafolha, foi a maior aprovação à proposta de redução penal. Em 2003 e 2006, o apoio foi de 83% a 88%.

É claro que a última pesquisa espelha um instante de abalo emocional na população. Ela veio depois do assassinato do universitário Victor Hugo Deppman. O suspeito pelo crime é um jovem que estava a três dias de fazer 18 anos. Isso foi repetido à náusea. Naquele tempo do Violência Zero no rádio, não sofríamos o massacre de imagens repetidas na televisão. Melhor dizendo, sofríamos, mas a doutrinação não atingia os noticiários mais “educados”, como o Jornal Nacional, Jornal da Band e outros. Antes, as insinuações do “só vai matando” ficavam restritas aos guetos dos programas policiais. No entanto, consideremos.

Ainda que sinta a batalha perdida diante do clamor, é um dever de consciência não seguir a onda do momento. Está certo, é justo, criminosos têm que ser punidos. Se possível, com algo exemplar, que iniba e reprima o crime. Mas para a maioridade penal que deveria cair, levanto algumas perguntas:  Qual seria o limite da redução? 12 anos, 11 anos, 10,9, 8, 7 anos? Bebês? Qual o limite? Sintam que a cada redução devem ocorrer novos crimes que estarão no limite da punibilidade. Mais: com o necessário aumento da população carcerária, que já é um inferno e um fracasso do sistema, não estaríamos dando ótimas escolas do crime aos meninos?

Já imagino que os reformadores do Código Penal podem argumentar que teríamos alas de criminosos de 16, outra de 15, mais outra de 14, até atingir um berçário... mas tudo dentro das mais perfeitas condições de higiene e cura da perversão. Diante do crime que ameaça e atinge a própria casa, já existe quem declare pérolas do gênero “sou de opinião que não deveria haver nenhuma idade mínima na lei”. Salve, daí partiremos fácil-fácil para a pena de morte aplicada aos diabinhos mais precoces.

Enquanto isso, não vemos, ou fingimos não ver a exclusão social e humana que cobre as cidades. Comemos, bebemos, vestimos, vamos aos shoppings sem olhar para os lados. E depois nos surpreendemos o quanto o mundo pode ser cruel quando atinge a estabilidade – porque nos julgamos estáveis em chão sólido -  ou a estabilidade sagrada – por tudo quanto mais é santo e elevado acima da animalidade dos outros, que não somos nós mesmos - a estabilidade sagrada dos nossos lares – pois somos aqueles que temos casa, enquanto os outros, ah, eles dormem na rua, que casa podem ter? Seria até uma questão de justiça, nós os humanos temos que destruir e tirar dos olhos a mancha da escória.

Lembro que uma vez perguntei a idade a um menino que cheirava cola nas ruas do Recife.

“Onze anos”, ele me respondeu.

E eu, com minhas exatidões burras de classe média:

“Vai fazer, ou já fez?”.

Silêncio. Eu insisti, crente de que não havia sido entendido.

“Você faz anos em que mês?”.

Então ele me ensinou, antes de correr até a esquina:

“Tio, eu não tenho aniversário”.

Todos não notamos que vem dessa exclusão o alimento e sangue para o horror. Enquanto fazemos de conta que nada temos a ver com isso, crescem os comentários com que termino a coluna, no Dia do Livro Infantil:

“...se os Direitos Humanos criarem caso, prendam ou os arranquem para fora do Brasil!”.

“Temos que punir duramente quem mata, sequestra, seja quem for”.

“Com a idade de treze anos sabem muito bem o que estão fazendo”.

“Se não melhorarem com novas leis, pena de morte”.
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Urariano Motta* é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas(Recife, Bagaço, 1997).

Enviado por Direto da Redação

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