sábado, 12 de outubro de 2013

Pepe Escobar: “Medo e ranger de dentes na Casa de Saud”

11/10/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama e Hassan Rouhani e a aproximação Washington - Teerã
Qualquer bípede racional com cérebro operante vê que a possibilidade de pôr fim ao Muro de Desconfiança que há 34 anos divide Washington e Teerã é situação de ganha-ganha.
Eis alguns dos benefícios:
– O preço do petróleo e do gás do Golfo Pérsico cairá;
– Washington e Teerã poderão constituir uma parceria para combater contra os salafistas-jihadistas (como já houve, aliás, logo depois do 11/9) e coordenar suas políticas no Afeganistão, para manter sob controle os Talibã no pós-2014;
– Irã e os EUA partilham os mesmos interesses na Síria; ambos não querem anarquia nem o risco de islamistas radicais ganharem influência no poder. Resultado ideal seria contrabalançar a influência iraniana com um acordo de partilha de poder entre o establishment de Bashar al-Assad e uma oposição sensível não armada (que existe mas, no momento, está marginalizada);
– Sem a retórica da mudança de regime e sem sanções, o céu é o limite para mais e mais negócios, comércio, investimentos e opções de energia para o ocidente, especialmente para a Europa (o Irã é a melhor saída possível para que os europeus diminuam sua dependência atual da Gazprom russa);
– Uma solução para o dossiê nuclear permitirá ao Irã gerir o uso civil da energia nuclear como fonte alternativa de energia para sua indústria, o que aumentará a quantidade de petróleo e gás disponível para exportação;
– Geopoliticamente, com o Irã reconhecido pelo que é (o ator chave no Sudoeste da Ásia), os EUA poderão ser libertos do dogma autoinfligido de dependerem do eixo israelenses-sauditas. E Washington até poderá começar a pivotear-se às veras na direção da Ásia, e não exclusivamente mediante ações militares.
– Ah! Eis a questão! Todos sabem por que a direita israelense combaterá contra qualquer acordo EUA-Irã como contra a peste, porque o Irã como “ameaça existencial” é o pretexto perfeito para desencaminha o debate e impedir que se aproxime da verdadeira questão: a ocupação/apartheid que Israel impôs aos palestinos.
Quanto à Casa de Saud, o acordo Irã-EUA é praticamente Apocalypse Now.
Sou um modesto matador moderado
Começa com a Síria. Todo mundo sabe que o mestre das sombras Bandar bin Sultan, codinome Bandar Bush, está integralmente encarregado da guerra na Síria, desde que foi nomeado Diretor da Inteligência Nacional por seu tio, o rei Abdullah saudita.
Bandar não leva prisioneiros. Primeiro, eliminou do quadro o Qatar – principal financiador do chamado Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army (FSA)]; depois de ter recebido boa ajuda do emir do Qatar, Sheikh Hamad, que se autodepôs no final de junho, em benefício do filho, Sheikh Tamin.
Sheikh Hamad (pai) (D) e Sheikh Tamin (filho) (E) emires do Qatar
Em seguida, no final de julho, Bandar ressurgiu espetacularmente em público, numa sua hoje já famosa viagem “secreta” a Moscou, na qual tentou subornar/extorquir o presidente Vladimir Putin e fazê-lo desistir da Síria.
Todos sabem que a “política” da Casa de Saud para a Síria é mudança de regime, ponto, parágrafo. É inegociável, em termos de acertar um golpe naqueles “apóstatas” em Teerã, e impor a vontade dos sauditas à Síria, ao Iraque e, de fato, a todo o Levante predominantemente sunita.
Zahran Alloush
No final de setembro, o “Exército do Islã” [Jaish al-Islam] entrou em cena. É um combo “rebelde” de mais de 50 brigadas, que vão de salafistas linha-duríssima a supostos “moderados”, coordenados por Liwa al-Islam, que, antes, fora parte integrante do Exército Sírio Livre.
O senhor-da-guerra que manda no Jaish al-Islam chama-se Zahran Alloush – filho de Abdullah, clérigo salafista de linha duríssima ativo na Arábia Saudita. E os petrodólares que o mantêm ativo são sauditas – e chegam até ele via Bandar Bush e seu irmão príncipe Salman, vice-ministro da Defesa da Arábia Saudita.
Se estiver parecendo requentamento do “Despertar Sunita” urdido por David Petraeus no Iraque em 2007, é porque é exatamente a mesma coisa: a diferença é que esse “despertar” movido a dinheiro saudita está sendo requentado não para combater a al-Qaeda, mas para forçar o golpe (“mudança de regime”).
Pelo YouTube ouve-se (em árabe, no vídeo acima) exatamente o que Alloush deseja: uma ressurreição do Califato Umayyad (que teve capital em Damasco), e “limpar” Damasco de iranianos, xiitas e alawitas. Todos esses são considerados kafir (“não crentes”, “infiéis”). Das duas, uma: ou se submetem ao Islã salafista ou tem de morrer. Só lunáticos veriam nisso alguma espécie de discurso “moderado”.
Ayman al-Zawahiri
Por incrível que pareça, até Ayman al-Zawahiri – do comando central da al-Qaeda – já lançou uma proclamação na qual proíbe a matança de xiitas.
Pois fato é que Alloush, o “moderado”, está no âmago da atual campanha de Relações Públicas comandada por Bandar Bush: senhores-da-guerra como Alloush estão sendo “suavizados”, até que se tornem palatáveis para um grande número de fontes de dinheiro do Golfo e, claro, também para ocidentais crédulos.
O xis da questão, porém, é que o Exército do Islã [Jaish al-Islam] prega ideias que são como uma variante cromática, quase idêntica, mas não idêntica, chamado “Estado Islâmico do Iraque e Levante [“Levante” = al-Sham = Síria] – a organização guarda-chuva ligada à al-Qaeda, que é a principal força em combate dentro da Síria: são bandos de fanáticos pesadamente armados e dependentes de um poderoso cristal de metanfetamina (religioso).
Paraíso Paranoia
Rei Abdullah 
Para complicar ainda mais as coisas, a Casa de Saud está engalfinhada na batalha pela sucessão. O príncipe coroado Salman foi o último filho do rei Abdul Aziz, fundador da dinastia saudita, que teve chances de chegar e permanecer no poder.
Agora todos os demônios estão soltos – com hordas de príncipes engalfinhados na luta pelo grande prêmio. E ali, no meio do pandemônio, encontramos ninguém menos que o próprio Bandar Bush – o qual, hoje, para todas as finalidades práticas, é a mais poderosa entidade na Arábia Saudita, depois de Khalid Twijri, o chefe de gabinete do rei Abdullah.
O nonagenário rei Abdullah está bem próximo de reunir-se ao seu Criador. Twijri não é da família real. Então... Bandar corre contra o relógio. Ele carece, de modo absoluto, de uma “vitória” na Síria, que lhe servirá como passaporte para a glória total.
Foi quando o acordo EUA-Rússia sobre as armas químicas sírias apareceu. Toda a Casa de Saud, literalmente, entrou em surto – e puseram-se a culpar não só os suspeitos de sempre (Rússia e China, membros do Conselho de Segurança da ONU); mas, também, Washington. 
Saud al-Faisal
Não surpreende que o ministro perpétuo das Relações Exteriores, príncipe Saud al-Faisal, não tenha aparecido para seu discurso anual na Assembléia Geral da ONU semana passada. Não se pode dizer que sua ausência tenha sido lamentada ou que tenha feito alguma falta.
O pesadelo da Casa de Saud é amplificado pela paranoia. Depois de tantos e tantos avisos do rei Abdullah a Washington (“decepe a cabeça da serpente”, o Irã), que os telegramas vazados por WikiLeaks imortalizaram; depois de tantas súplicas, para que os EUA bombardeassem a Síria e instalassem ali uma zona aérea de exclusão e/ou armassem até os dentes e até o Juízo Final os “rebeldes”... Eis o que, afinal, a Casa de Saud está obtendo: Washington e Teerã já bem próximos de um acordo, à custa de Riad.
Assim sendo, não surpreende que medo, ranger de dentes e aguda paranoia reinem supremos. A Casa de Saud está fazendo e continuará a fazer tudo que puder para bombardear a emergência do Líbano como produtor de gás. Continuará a soprar as chamas do sectarismo em todo o espectro, como Toby Matthiesen documentou num livro excelente.
Bandar Bush
E o eixo israelense-saudita continua a dar brotos venenosos. Poucos sabem, no Oriente Médio, que uma empresa israelense – com experiência na repressão a palestinos – foi contratada para fazer a segurança em Meca. Muitos que soubessem disso – com a hipocrisia da Casa de Saud exposta mais uma vez – e a rua árabe explodiria em massa, em várias latitudes.
Uma coisa é certa: Bandar Bush, como o eixo saudita-israelense, não economizarão golpes para fazer descarrilar qualquer tipo de reaproximação entre Washington e Teerã.
Quanto ao Grande Quadro, a verdadeira, a real “comunidade internacional” sempre pode sonhar que, um dia, as elites em Washington afinal verão a luz e compreenderão que a aliança estratégica selada entre os EUA e os sauditas em 1945, por Franklin D Roosevelt e o rei Abdul Aziz ibn Saud absolutamente não faz sentido algum.



[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
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