quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Como os EUA assassinaram o nº 1 dos Talibã-No-Paquistão

Hakimullah Mehsud raramente permanecia mais de seis horas em cada local

2/11/2013, [*] Rob Crilly (Islamabad), The Telegraph, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Nota dos tradutores: (...) a questão real é o timing do ataque dos drones norte-americanos. Em resumo: por que agora? Evidentemente, se tomou a decisão crucial de iniciar a detonação final dos Talibã-No-Paquistão, para que as conversações de paz com os Talibã-No-Afeganistão possam seguir como o esperado, em trilha paralela à reunião da Loya Jirga em Kabul, que se iniciará em 10-12 dias, para aprovar o acordo pelo qual se estabelecerão nove bases militares dos EUA no Afeganistão”.
[5/11/2013, MK Bhadrakumar, Indian Punchline, em: US did a favour killing Mehsud]

Hakimullah Mehsud

Durante anos, Hakimullah Mehsud, o líder de longos cabelos, dos Talibã-No-Paquistão, sempre tomou todos os cuidados com a própria segurança. Raramente passava mais de seis horas num mesmo local, trocando de casa dentre as suas várias fortalezas espalhadas por toda a região tribal paquistanesa.

Mas, com as negociações com o governo do Paquistão já entrando em nova fase, parece que um dos homens mais procurados do mundo teria cometido erro fatal: relaxou, assumindo que o próximo processo de paz significaria que estaria salvo. E demorou-se descuidadamente por tempo demais em sua casa nova. Foi tempo bastante para que os drones dos EUA que sempre rondam os céus da região tribal montanhosa o localizassem – e disparassem dois mísseis contra o carro 4x4 de Mehsud, quando entrava pelo portão de casa, na 6ª-feira. (...)

Assim morreu um dos mais competentes comandantes dos Talibã, homem que, pelo menos aos olhos de Washington, valia até o último tostão da recompensa de US$5 milhões prometida por sua cabeça. Porque Mehsud não só levou o terror ao Paquistão; foi também quem planejou e comandou a execução do mais mortal ataque contra a CIA dos últimos 25 anos, quando um suicida-bomba, que se fazia passar por informante da al-Qaeda, se autoexplodiu numa base no Afeganistão em 2009, matando vários agentes da CIA.


Mas, por mais que o assassinato de Mehsud esteja sendo apresentado no ocidente como silencioso triunfo do controverso programa dos drones da CIA, a reação durante o final da semana, no Paquistão, foi muito diferente.

Ontem à noite, o governo paquistanês convocou o embaixador dos EUA, Richard Olson, ao qual apresentou protesto formal contra o ataque, o qual, ao que se diz, teria interrompido as conversações de paz iniciadas pelo novo primeiro-ministro paquistanês Nawaz Sharif, eleito em maio passado.

Declaração do Serviço Exterior diziam que o ataque da 6ª-feira foi “contraproducente para os esforços do Paquistão na direção de trazer paz e estabilidade ao país e à região”.  

Mas a retórica oficial não calou a especulação segundo a qual o governo paquistanês dera luz verde à operação desde o início, e possivelmente também forneceu a indispensável inteligência sobre os movimentos de Mehsud.

Emb. Richard Olson (E) reunido com o PM Newaz Sharif  (D) em maio/2013
Mehsud foi morto menos de um mês depois de dar uma entrevista à BBC, na qual disse que estava preparado para iniciar conversações de paz com o Paquistão, se os EUA suspendessem o emprego dos drones. (...)

Seja como for, o assassinato de personagem tão importante no contexto do terror paquistanês, criará novo período de incertezas. Ontem, a polícia apertou o cerco de segurança em várias cidades do país, ante o temor de que recomecem os ataques, no momento em que o conselho dos Talibã No Paquistão reúne-se para indicar o substituto de Mehsud.

Enquanto isso, detalhes reunidos de várias fontes de militantes e moradores em Danda Darpa Khel, a vila na qual Mehsud estava morando, permitem reconstruir as circunstâncias nas quais aconteceu o assassinato. Um conjunto de casas de tijolos, a vila fica na periferia da cidade de Miranshah, capital da região do Waziristão Norte, junto à fronteira afegã.

Embora os militares paquistaneses mantenham ali uma base, cujas metralhadoras leves alcançam a vila, esses militares não controlam de fato essa área.

Visitantes contam que a casa de Mehsud era casa simples, do tipo que se espera de um asceta e islamista religioso: quatro quartos e uma espaçosa ala para hóspedes, própria para receber comandantes ou mulás visitantes.

“Mehsud não dormia duas noites no mesmo local” – disse um comerciante da região, que pediu para não ser identificado, temendo represálias dos Talibã – “mas, de fato, todos sabiam onde ele estava, cada noite. Aqui, não é possível manter esse tipo de segredo”.

Manifestação em Danda Darpa Khel contra o assassinato com drones
A vila e a área circundante são controladas pelos Talibã-No-Paquistão, que comandam a região como parte de um miniestado, onde há livre comércio de armas e a lei da Xaria é implantada em sua modalidade mais brutal.

Ocasionalmente, reféns ocidentais são mantidos em casas nessa área, fora do alcance de qualquer autoridade do estado paquistanês. Mas o governo paquistanês mantém também sua rede local de espiões; e o que se diz é que um desses agentes teria transmitido aos norte-americanos a informação sobre os movimentos de Mehsud que levou ao assassinato. Embora a informação, sim, também possa ter vindo de um agente da CIA, fato é que a rede norte-americana tem sido duramente atingida em anos recentes e está muito reduzida, ao mesmo tempo em que se vai configurando uma situação em que o governo do Paquistão vai dando sinais cada vez mais claros de que não quer ser visto como colaborador que estaria operando ao lado dos EUA.

Quem quer que tenha informado sobre o movimento de Mehsud, a informação foi passada a uma sala de operações a milhares de quilômetros de distância, em pleno deserto de Nevada, no oeste dos EUA, de onde os drones são comandados e atacam acionados por controle remoto.

Em uma sala com ar condicionado, cercado de telas de computados, um operador norte-americano examinou imagens de satélites vindas do Waziristão, enviadas de um veículo aéreo armado tripulado à distância, um drone MQ-1 Predator que voava a mais de 7 mil metros de altitude.

Drone MQ-1 Predator idêntico ao que assassinou Mehsud
O Predator é equipado com um sensor constituído de três câmeras com mira a laser e sensores de radar. Um fluxo continuado de imagens é enviado através de um link por satélite, diretamente para a equipe que comanda a operação, para que confirme que o alvo está à vista.

Quando o comboio no qual Mehsud viajava afastou-se de uma mesquita na qual já fora confirmada a presença do líder dos Talibã-No-Paquistão, as imagens na tela, em Nevada, eram tão claras que o operador podia identificar os algarismos da chapa do carro. Com o Predador voando na sua velocidade mínima possível – cerca de 120 km/h – deve ter sido dada a ordem de “disparar míssil”; e partiram dois mísseis Hellfire, diretamente contra o alvo.

Testemunhas disseram que houve nove mortos, entre os quais dois guarda-costas mortos no ataque, que aconteceu segundos depois das 18h da 6ª-feira.

Inúmeros visitantes estiveram no conjunto de casas cercadas por um muro, ontem, para apresentar suas homenagens junto ao que restou da casa de Mehsud; circulavam notícias de que o corpo de Hakimullah teria sido enterrado em local secreto, depois de funeral realizado à noite, para evitar novos ataques de drones dos EUA. Moradores de áreas próximas de Miranshah também assinalaram o dia de luto, ontem, atirando com seus rifles e metralhadoras contra outros drones que sobrevoavam a região, entre os quais um significativamente maior que os demais.

“Pensamos que fosse um avião C-130, mas era avião espião especial, maior que os demais” – disse Farhad Khan, que mora por ali. – “Os militantes atiraram contra ele com suas armas antiaéreas, mas não conseguiram atingi-lo”.

Hakimullah comandou uma campanha para derrubar o governo do Paquistão, que ele desejava substituir por um Emirado Islâmico. Ganhou reputação de comandante impiedoso, que organizava e distribuía onda após onda de jovens homens-bomba.

Latif Mehsud
O primeiro sinal de que o reinado de quatro anos de Mehsud como o homem mais procurado no Paquistão poderia estar sob nova pressão surgiu no mês passado, quando seu “secretário” Latif Mehsud foi capturado por forças dos EUA no Afeganistão.

A função de Latif era levar mensagens e visitantes ilustres até Mehsud, onde estivesse, posição sensível, na qual era mantido atualizado sobre os deslocamentos do chefe, seus contatos e suas medidas contra-drones. Latif esteve em contato com o Diretorado de Segurança do Afeganistão, a agência afegã de inteligência, “por longo período de tempo”, segundo um porta-voz do presidente Karzai. Se foi ele quem deu as informações sobre o deslocamento de Mehsud naquele dia, ou não, é detalhe que talvez jamais seja completamente esclarecido.

Seja como for, contudo, a morte de Mehsud é vingança-acerto de contas promovido pela CIA, que contalibiza seus sucessos em termos de assassinatos bem-sucedidos de terroristas versus mortos em ataques terroristas. Até agora, já foram assassinados muitos dos terroristas “mais procurados” no Paquistão, apesar de alto número de baixas “colaterais” entre civis, cujos números os militares ocultam atentamente. Recentemente, uma família paquistanesa depôs numa audiência pública do Congresso dos EUA, denunciando que a avó da família fora morta num desses ataques dos drones norte-americanos.

“É um duro golpe contra os Talibã No Paquistão, que pode levar a graves divisões dentro do movimento” – disse Bruce Riedel, ex-agente e conselheiro da CIA no governo Obama, que ajudou a criar e desenvolver a campanha dos drones.

O Paquistão sempre condenou os ataques, reclamando que são violação à soberania. Mas várias informações vazadas sugerem que o governo e os militares há muito tempo autorizaram os ataques pelos drones dos EUA e, inclusive, “encomendaram” ataques a determinados alvos.

Shaukat Qadir
O mais recente ataque pode bem ter sido parte de uma estratégia aprovada por Islamabad para bombardear os Talibã-No-Paquistão e empurrá-los na direção da mesa de negociações, segundo opinião de Shaukat Qadir, militar já aposentado, que trabalha hoje como analista militar.

“Hakimullah Mehsud era um impedimento às conversas de paz” – disse Shaukat Qadir. – “Diga o governo o que disser agora, a morte de Mehsud ajudará a atrair os Talibã-No-Paquistão para as negociações”.

Mas isso dependerá de quem assuma agora como novo líder, e se conseguirá manter unidas as várias linhas e grupos e facções que constituem o Talibã-No-Paquistão, ao mesmo tempo em que assume via pragmática, a favor da paz.

Os altos dirigentes Talibã reuniram-se ontem em sua assembleia (shura, também “órgão de aconselhamento”) para definir o novo comandante. Fontes militantes informaram a jornalistas locais que a reunião muda várias vezes de lugar, para que os drones não a localize.

Os candidatos com mais chances são Maulana Fazlullah, conhecido como o “Mulá do Rádio”, chefe dos Talibã-do-Swat. Outro nome possível é Sheheryar Mehsud, do mesmo clã do Waziristão do Sul que Baitullah Mehsud, comandante que antecedeu Hakimullah.

Ou, também, Khan Said – mais conhecido como “Sajna” [“tio”] – que é analfabeto, responsável pelo recrutamento e treinamento de suicidas-bomba. Apesar dessas táticas, sua posição como aliado de comandantes que fizeram mais ataques contra o Afeganistão que contra o Paquistão, e sempre manteve fortes laços com o estado paquistanês, sugere que possa ser mais aberto à ideia de buscar uma acomodação pragmática com Islamabad.

Isso, contudo, depende de se Islamabad ainda deseja conversar – ou se, diferente disso, já entende que possa obter alguma vantagem com uma ofensiva militar no Waziristão Norte.

Quanto ao Talibã, não há dúvida de que haverá mais violência. “Cada gota de sangue de Hakimullah se transformará em um homem-bomba” – disse Azam Tariq, um dos porta-vozes dos Talibã-No-Paquistão. “EUA e seus amigos, que não festejem. Vingaremos o sangue do nosso mártir”.
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[*] Rob Crilly é correspondente do The Telegraph no Paquistão. Anteriormente foi repórter no Oriente Médio e África Oriental do The Times. Fez coberturas das guerras da Somália, Sudão e na República do Congo. É também autor de: Saving Darfur: Everyone’s Favourite African War, uma crítica dos esforços internacionais para trazer a paz para o Sudão.

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