sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Muqtada al-Sadr: “No Iraque, o futuro próximo é terrível”

29/11/2013, Muqtada al-Sadr entrevistado por [*] Patrick Cockburn, The Independent, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Muqtada al-Sadr, em uma rara entrevista concedida a Patrick Cockburn em Najaf, fala de seu medo do Iraque se tornar uma nação a cada dia mais dividida em linhas sectárias.

Manifestante xiita levanta quadro com foto de Muqtada al-Sadr  em Bagdá 
O futuro do Iraque como país uno e independente está ameaçado pela hostilidade sectária que separa xiitas e sunitas, disse Muqtada al-Sadr, o líder religioso xiita cujas milícias – Exército Mahdi – combateram contra os exércitos dos EUA e da Grã-Bretanha, e que ainda é figura poderosa na política iraquiana. Al-Sadr alerta para o perigo de que “o povo iraquiano seja desintegrado, o governo seja desintegrado, o que tornará mais fácil que potências estrangeiras controlem o país”.

Em entrevista ao jornal The Independent, na cidade santa de Najaf, cerca de 160 quilômetros a sudoeste de Bagdá – a primeira entrevista presencial que dá a jornal ocidental em mais de dez anos – al-Sadr mostrou-se pessimista quanto ao futuro próximo do Iraque: “O futuro próximo do Iraque é terrível”.

Disse que o que mais o preocupa é o sectarismo que já afeta os iraquianos no plano das ruas; para al-Sadr, “se o sectarismo se disseminar entre o povo, será difícil combatê-lo.” Acredita que a posição que assumiu, contra o sectarismo, já o fez perder apoios entre seus seguidores.

A posição moderada de al-Sadr é importantíssima nesse momento, quando aumentam os confrontos sectários no Iraque – cerca de 200 xiitas foram mortos, só na última semana.

Há 40 anos, Muqtada al-Sadr e líderes religiosos de sua família vêm demarcando as tendências políticas dentro da comunidade xiita no Iraque. A longa resistência contra o governo de Saddam Hussein e, depois dela, a resistência também contra a ocupação pelos EUA, tiveram impacto crucial.

Muqtada al-Sadr
Muqtada al-Sadr ainda é líder muito influente no Iraque, depois de uma carreira extraordinária, ao longo da qual escapou várias vezes de ser assassinado. E inúmeras vezes pareceu que o movimento político que ele comanda, o Movimento Sadrista [ou Saadrista], seria afinal esmagado.

Muqtada tinha 25 anos em 1999, quando seu pai, Mohammed Sadiq al-Sadr, reverenciado clérigo xiita, e dois filhos, irmãos de Muqtada, foram assassinados por esquadrões da morte a serviço de Saddam Hussein, em Najaf. Ele sobreviveu por pouco, e permaneceu em prisão domiciliar em Najaf até 2003, quando a invasão norte-americana pôs fim ao governo de Saddam. Muqtada e seus seguidores tornaram-se a força mais poderosa e influente em várias áreas xiitas do Iraque, primeiro como inimigos de Saddam, em seguida como força de resistência contra a ocupação norte-americana.

Em 2004, o Exército Mahdi, dos sadristas, manteve dois terríveis confrontos militares contra soldados dos EUA em Najaf e em Basra; sustentou longa guerra de guerrilhas contra o Exército Britânico, o qual acabou forçado a entregar o controle da cidade aos guerrilheiros de Muqtada.

Para a comunidade sunita, o Exército Mahdi sempre teve papel central na campanha de assassinatos sectários que atingiu o pico nos anos 2006-7. Muqtada al-Sadr diz que “não fomos nós; havia gente infiltrada no Exército Mahdi, e foram responsáveis pelos assassinatos.” – E acrescenta que, se houvesse guerrilheiros seus envolvidos no assassinato de sunitas, ele seria o primeiro a denunciá-los.

É verdade que, por longo tempo, nesse período, Muqtada al-Sadr não parecia ter pleno controle sobre as forças que agiam como se fosse em nome dele. Até que, afinal, conseguiu dobrá-las. Simultaneamente, o Exército Mahdi estava sendo arrancado de suas antigas fortalezas em Basra e em Sadr, pelo exército dos EUA e forças ressurgentes do governo iraquiano. Perguntado sobre o status presente do Exército Mahdi, Muqtada al-Sadr disse: “Ainda está lá, mas congelado, porque parece que a ocupação acabou. Se a ocupação voltar, as milícias do Exército Mahdi também voltarão”.

Nos últimos cinco anos, Muqtada al-Sadr reconstruiu seu movimento, como um dos principais atores na política do Iraque, com plataforma que é uma mistura de religião xiita, populismo e nacionalismo iraquiano. Depois de exibir força significativa nas eleições gerais de 2010, o partido passou a integrar o atual governo, com seis ministros no Gabinete. Mas Muqtada al-Sadr é extremamente crítico contra o desempenho do primeiro-ministro Nouri al-Maliki nos seus dois mandatos; acusa o governo de ser sectário, corrupto e incompetente.

Nouri al-Maliki
Falando de Maliki, cujas relações com Muqtada al-Sadr azedam cada dia mais, al-Sadr diz que “talvez não seja o único responsável pelo que está acontecendo no Iraque, mas é quem está no poder”. Perguntado se acha provável que Maliki permaneça como primeiro-ministro, disse: “Acho que se candidatará a um terceiro mandato, mas preferiria que não se candidate”.

Muqtada al-Sadr  disse que ele e outros líderes iraquianos já tentaram substituir Maliki no governo, mas ele permaneceu no cargo, por causa do apoio que recebe dos EUA e do Irã. “O mais surpreendente é que EUA e Irã decidam sobre o primeiro-ministro do Iraque” – diz ele. – “Maliki é forte porque é sustentado pelos EUA, Grã-Bretanha e Irã”.

Al-Sadr critica, sobretudo, o modo como o governo está lidando com a minoria sunita, que perdeu o poder em 2003; para ele, os sunitas estão sendo marginalizados, e suas demandas são ignoradas. Entende que o governo iraquiano deixou passar a oportunidade de fazer uma conciliação com os sunitas, cujas manifestações públicas começaram em dezembro passado para exigir mais direitos civis e o fim das perseguições.

“Minha opinião pessoal é que, agora, já é tarde demais para atender àquelas demandas [dos sunitas], depois que o governo – que os manifestantes veem como governo xiita – passou tanto tempo sem lhes dar atenção” – diz ele. Perguntado sobre como os xiitas comuns (a grande maioria dos mil mortos pelas bombas da al-Qaeda, já há um mês, são xiitas) reagiriam, Muqtada al-Sadr disse: “Eles têm de entender que não estão sendo atacados por sunitas. Estão sendo atacados por extremistas. Estão sendo atacados por potências de fora do Iraque”.

Para sl-Sadr, o problema no Iraque é que os iraquianos, como um todo, estão traumatizados por quase meio século ao longo do qual viveram “um ciclo constante de violência: Saddam, a ocupação norte-americana, a 1ª Guerra do Golfo, a 2ª Guerra do Golfo, depois a guerra da ocupação, depois a resistência – isso levou a uma mudança na psicologia dos iraquianos”.

Saddam Hussein
1937 - 2006
Explicou que os iraquianos cometeram o erro de tentar resolver um problema, criando outro pior, como ter contado com os EUA para derrubar Saddam Hussein, o que gerou o problema da ocupação norte-americana. Compara os iraquianos a “alguém que descobre um rato em casa e procura um gato para matar o rato; depois, quer livrar-se do gato, e procura um cachorro. Depois, para livrar-se do cachorro, compra um elefante, quer dizer, voltou a pôr o rato dentro de casa”.

Perguntado sobre o melhor modo de os iraquianos lidarem com o rato, al-Sadr disse: “Usar, não gato nem cachorro, mas unidade nacional; rejeitar o sectarismo, abrir a cabeça, rejeitar o extremismo”.

Um dos principais temas da abordagem de al-Sadr é promover o Iraque como estado-nação independente, capaz de tomar decisões que visem aos seus próprios interesses.  Dada a hostilidade crescente contra a ocupação por EUA e Grã-Bretanha, que os ocupantes sejam responsabilizados por muitos dos atuais tormentos do Iraque. Até que isso seja feito, nem ele nem ninguém de seu movimento se reunirão com funcionários norte-americanos ou britânicos. Mas al-Sadr também é hostil à intervenção pelo Irã, nos negócios iraquianos. Diz ele: “Recusamos todos os tipos de intervenção de forças externas, sejam contra ou a favor de interesses do Iraque. O destino dos iraquianos deve ser decidido exclusivamente pelos iraquianos”.  

Vê-se uma mudança na posição de um homem que foi demonizado pelos EUA e Grã-Bretanha como joguete nas mãos do Irã. A força do movimento sadrista sob comando de Muqtada al-Sadr e de seu pai – e a capacidade de enfrentar inimigos poderosos e de sobreviver a derrotas terríveis – deve muito ao fato de ele combinar um revivalismo xiita com ativismo social e nacionalismo iraquiano.

Massoud Barzani
Por que tantos membros do governo do Iraque são tão ineficazes e corruptos? Para al-Sadr, “porque competem entre eles para pôr as mãos na maior fatia do bolo, em vez de competirem para mais bem servir ao povo”.

Perguntado sobre por que o Governo Regional do Curdistão foi mais bem-sucedido em termos de segurança e de desenvolvimento econômico que o resto do Iraque, al-Sadr entende que houve menos roubo e corrupção entre os curdos; e talvez “porque eles amam a própria etnicidade e a região onde vivem”. Se o governo tentasse marginalizá-los, talvez exigissem a própria independência: “Massoud Barzani [presidente do Governo Regional do Curdistão] disse-me que: “se Maliki nos pressionar demais, exigiremos a independência”.

Ao final da entrevista, Muqtada al-Sadr perguntou-me se não tinha medo de entrevistá-lo; e se a entrevista levasse o governo britânico a considerar-me terrorista? Perguntou se o governo britânico ainda supunha que tivesse “libertado” o povo iraquiano. E comentou que talvez devesse processar o governo, pelas mortes causadas pela ocupação britânica.



[*] Patrick Cockburn (nasceu 05 de março de 1950) é um jornalista irlandês que tem sido correspondente no Oriente Médio desde 1979 para o Financial Times e, atualmente, The Independent.
Está entre os comentaristas mais experientes no Iraque; escreveu quatro livros sobre a história recente do país. Recebeu o vários prêmios por seu trabalho incluindo o Prêmio Gellhorn Martha em 2005, o Prêmio James Cameron em 2006 e o Prêmio Orwell de Jornalismo em 2009.
Cockburn escreveu três livros sobre o Iraque: One, Out of the Ashes: The Resurrection of Saddam Hussein, escrito em parceria com seu irmão Andrew Cockburn, antes da guerra no Iraque. O mesmo livro foi mais tarde re-publicado na Grã-Bretanha com o título: Saddam Hussein: An American Obsession. Mais dois foram escritos por Patrick sozinho após a invasão dos EUA e após a sua reportagem premiada do Iraque.

Escreve também para CounterPunch e London Review of Books.

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