segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O futuro do Afeganistão (1/3)

7/10/2013, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic Culture  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Hamid Karzai, presidente do Afeganistão
O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, decidiu suspender os acordos de segurança com os EUA, o que exasperou Washington. Barack Obama ameaça Karzai com a “opção zero” (nenhum soldado norte-americano em solo afegão, ao final de 2014). A decisão de Kabul, de recusar diálogo direto com os Talibã, onde aspira ao papel de intermediário a favor dos EUA causa frustração que pode acelerar a retirada da coalizão liderada pela OTAN. O alto oficialato norte-americano sugere que a retirada aconteça antes do início da temporada de combates, deixando o país entregue à própria sorte, como já fizeram no Iraque.

Há risco real de as forças do governo afegão serem deixadas face à face com os Talibã no prazo de 5-6 meses. Os eventos podem desenrolar-se como no cenário sírio. Como se antevê em Moscou, o terrorismo pode “respingar” de um país para o outro. A questão é: os EUA retirar-se-ão completa e simultaneamente, ou será retirada em fases, gradual, com cerca de 9-10 mil homens deixados permanentemente no Afeganistão?

Hoje, a Força Internacional Auxiliar de Segurança [orig. International Security Assistance Force (ISAF)] de 100 mil soldados e os militares afegãos são responsáveis pela estabilidade; essa última está sendo expandida em ritmo de urgência e deve alcançar cerca de 260 mil elementos de pessoal ativo, em 2015. Atualmente com 150 mil soldados, os militares afegãos parecem força formidável, mas não têm treinamento profissional. Os instrutores militares dos EUA admitem que os novos recrutas têm recebido treinamento insuficiente para combate, no processo de apressar o recrutamento. Segundo a ISAF, a perda anual é de 34, 8% dos alistados, por deserção, baixas em combate, licença por ferimento e condições precárias para a retenção dos alistados.

Localização da ISAF - Força Internacional Auxiliar de Segurança
(clique na imagem para visualizar)
Algumas áreas e instalações militares vão sendo gradualmente postas sobre controle das forças afegãs. Em março de 2014, as forças afegãs terão de assumir integralmente os serviços de segurança, apesar de a luta contra os Talibã jamais cessar.

2013 foi o ano mais sangrento desde que as forças da coalizão chegaram ao Afeganistão. Os Talibã estão mais ativos, as forças da coalizão evitam combates, o que deixa desamparados os afegãos despreparados para enfrentar sozinhos o inimigo. Houve 13-27 baixas na coalizão por mês, desde que a luta recomeçou na primavera de 2013; e mais de 100 mortos e cerca de 300 feridos na força nacional afegã, polícia nacional afegã e unidades de autodefesa. O número de mortos nas forças armadas afegãs é mais de três vezes superior às baixas na coalizão em 2010 e 2011 (o maior número de baixas é de norte-americanos). Kabul parou de informar sobre o número de militares mortos, para não abater a moral nacional. Os militares da ISAF entendem que as forças afegãs não poderão suportar por muito tempo as atuais taxas de baixas nas suas forças.

A liderança afegã tampouco confia nas forças armadas, porque nada assegura que os soldados não desertem para unir-se aos Talibã. Não se pode esquecer que há ali uma guerra civil, e a “ajuda externa” absolutamente não conseguiu resolver grande número de problemas. A maioria dos especialistas entende que nenhuma paz ou estabilidade serão jamais possíveis, se os Talibã não forem integrados no processo político. O governo entende que conversações diretas entre Washington e os Talibã (sem a participação de Kabul) é agressão à soberania nacional afegã. Os EUA creem que as conversações diretas são o melhor meio para pôr fim à violência. É possível que os Talibã apresentem candidato às próximas eleições presidenciais em abril de 2014. Karzai, o atual presidente, não pode concorrer a um terceiro mandado nos termos da Constituição; e não há sucessor à vista. É altamente provável que o único candidato viável apareça entre os quadros dos Talibã.

Karzai é pashtun e muçulmano sunita; absolutamente não exclui um diálogo direto (sem a participação dos EUA) com os Talibã, que também são pashtuns e sunitas. A presença da OTAN sempre foi obstáculo a qualquer conversação, mas foi a OTAN quem assegurou dois mandatos presidenciais a Karzai. Agora, a situação mudou; Karzai deixará a presidência; e a ISAF tem prazo marcado para deixar o país. Obama tem certeza de que até outubro estará assinado um acordo de segurança, mas Karzai não tem pressa para definir coisa alguma até depois das eleições presidenciais. Foi atitude muito claramente visível, quando ele disse que se o acordo puder ser assinado durante seu mandato, OK. Se não, o novos governantes do país tomarão a decisão que lhes pareça melhor. Washington continua a insistir que o acordo seja assinado antes das eleições, mas sem sucesso. Oriental no espírito e no temperamento, Karzai não é dado a decisões apressadas; e, além do mais, também tem seus próprios planos.

Os norte-americanos têm de saber quantos soldados poderão permanecer depois da retirada, mas a Karzai interessa saber o que ganhará por seu governo aprovar a permanência, caso se chegue a formalizar o acordo de segurança. É serviço que se avalia na casa dos bilhões de dólares.

Ronald E. Neumann
O ex-embaixador dos EUA no Afeganistão, Ronald E. Neumann, avalia que o custo da permanência a ser definido em função do tamanho da força que permaneça no Afeganistão não será menor que US$5 bilhões/ano, além dos gastos da embaixada. Ano que vem, os EUA e aliados terão de gastar US$7,7 bilhões para cobrir os custos militares no Afeganistão, e a fatia de Kabul não ultrapassará US$2 bilhões.

O governo de Karzai continua mergulhado num pântano de corrupção. Segundo relatório distribuído pela ONU em fevereiro de 2012, o povo afegão pagou US$3,9 milhões em propinas a agentes do estado afegão. Empresas ocidentais, que trabalham na reconstrução do país, gastaram mais de US$1 bilhão para molhar a mão de funcionários afegãos e obter contratos. Em Washington, já é voz corrente que o gasto foi completo desperdício. O fato de que Karzai admite as dificuldades torna ainda mais forte a crítica contra o governo Obama.

Os EUA gastaram mais de US$1 trilhão nas operações do Iraque e do Afeganistão; os contribuintes norte-americanos pagaram cerca de 11 milhões de dólares por hora, para financiar as operações militares desde 2001. É quase impossível compreender a lógica dos EUA, com tantos mortos, tantos bilhões de dólares desperdiçados e, isso, só para matar um terrorista?! Outras missões tampouco foram cumpridas, o que obriga a questionar as razões do Pentágono e do governo dos EUA.

Manter o apoio ao governo dos EUA não faz sentido algum para Washington, mas é impossível suspender os gastos. A retirada das forças dos EUA será provavelmente a operação mais cara e mais complexa de toda a história das forças armadas norte-americanas. Os britânicos já declararam que a retirada dos seus soldados é operação sem precedentes no século 20 – e os britânicos têm de retirar apenas 9 mil soldados do país, nada que se possa comparar à retirada do contingente norte-americanos de mais de 60 mil homens, armamentos pesados e estrutura de logística. Essa retirada é muito mais complexa que a retirada do Iraque.

Guerreiros Talibã preparando-se para a luta no Afeganistão (foto de 2010)
O Afeganistão não tem acesso ao mar. Há poucas rotas terrestres possíveis: a estrada de Karachi; a ferrovia para a Rússia, passando pelo Uzbequistão e pelo Kazaquistão; e a rota aérea para aviões de carga até o Golfo Persa. O Departamento de Defesa dos EUA está prevendo um gasto de cerca de US$80 bilhões em 2014 , para essa retirada. Esse número aparece no pedido de autorização para gastos extraordinários submetido ao Congresso. Dia 30/9, quando se encerrou o ano fiscal de 2013, o gasto chegava a US$37 bilhões.

Tudo isso implica dizer que a “opção zero” para o próximo ano custará duas vezes mais cara, o que faz do adiamento da retirada a opção “mais barata”. Mas o governo afegão e seus vizinhos muito provavelmente se oporão a isso, temerosos de que a instabilidade aumente no país.

__________________________


[*] Nikolay Bobkin; PhD em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.