quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Império e a “faca só lâmina” [1]: exércitos globais + ONGs [1/4]

Dividir nações soberanas & substituí-las por sistemas de administração global

12/2/2012, [*] Tony Cartalucci, Blog Land Destroyer  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu (sugestão do Chico Villela)

Parte 1: O imperialismo está vivo e bem de saúde


O Império Britânico não tinha só uma frota que projetava sua hegemonia por todo o planeta: também tinha redes financeiras para consolidar o poder econômico global, e os sistemas de administração para garantir o fluxo eficiente e ininterrupto de recursos, de terras distantes, de volta a Londres e para os bolsos da elite inglesa endinheirada. Era uma máquina bem azeitada, refinada por séculos de experiência.

Por mais que todas as crianças aprendam na escola sobre o Império Britânico, parece ser doença política moderna generalizada entre os adultos acreditar que a realidade seja organizada como eram organizados os seus livros de história na escola: em capítulos bem claramente demarcados. Daí a ideia hoje tão errada quanto repetida de que o período do Imperialismo seria uma espécie de capítulo encerrado da história humana, e que hoje o mundo seria “multipolar”. Infelizmente, nada mais distante da realidade. O Imperialismo não foi extinto: simplesmente, ele evoluiu.

O imperialismo está vivo e bem de saúde

Há vários exemplos pertinentes que ilustram que o imperialismo está vivo e bem de saúde, e apenas espertamente disfarçado sob nomenclatura atualizada. As origens do que hoje se chama “livre comércio” derivam, na verdade, de concessões econômicas que os britânicos várias vezes extorquiram das nações, com sua estratégia de “diplomacia de navios & canhões” [orig. gunboat diplomacy]: ancoravam os navios e respectivos canhões ao largo de uma capital estrangeira e ameaçavam bombardeá-la e ocupá-la militarmente, se suas demandas não fossem atendidas.

Sudeste Asiático Colonial, c. 1850. A Tailândia/Sião nunca foi colonizada, mas fez várias concessões (clique no mapa para aumentar)

Em meados dos anos 1800s, a Tailândia, então Reino de Sião, estava cercada por todos os lados por nações colonizadas; nessas circunstâncias, foi obrigada a aceitar o que os britânicos impuseram, no Tratado Bowring, de 1855. Vejam o quanto algumas dessas concessões impostas pela diplomacia de “navios e canhões” soam parecidas com regras da “liberalização da economia” de hoje:

1. O Sião garantiu extraterritorialidade às questões britânicas. [2]
2. Os britânicos podiam comerciar livremente em todos os portos e manter residência permanente em Bangkok.
3. Os britânicos podiam comprar e alugar propriedades em Bangkok. [3]
4. Cidadãos britânicos podiam viajar livremente pelo país, com passes fornecidos pelo cônsul britânico.
5. Negócios de importação e exportação eram taxados em, no máximo, 3%, exceto ópio e ouro e prata em lingotes, que eram isentos de impostos.
6. Comerciantes britânicos tinham direito de comprar e vender diretamente a indivíduos siameses.

Exemplo mais contemporâneo, hoje, seria a ocupação militar do Iraque e o plano de reforma econômica daquele estado, depois de quebrado, proposto por Paul Bremer (do Conselho de Relações Exteriores, CFR). A revista Economist de 25/9/2003, enumera as providências para a “liberalização econômica” neocolonial do Iraque, em artigo intitulado Vamos à liquidação de quintal: se funcionar, o Iraque será o sonho de qualquer capitalista:

1. Propriedade de 100% dos bens do estado iraquiano.
2. Repatriação total de lucros.
3. Equiparação legal entre empresas estrangeiras e locais.
4. Autorização para funcionamento de bancos estrangeiros sem restrições e para compra de bancos locais.
5. Taxas e impostos sobre renda e lucros de empresas limitados a 15%.
6. Todas as tarifas reduzidas a 5%.

Nomenclaturas à parte, nada mudou desde 1855, no que tenha a ver com a “lista dos desejos” dos imperialistas. A revista Economist argumenta, como argumentaria qualquer imperialista do século 18-19, que o Iraque carece de especialistas estrangeiros para reerguer-se, justificando a evisceração da soberania nacional iraquiana e o assalto aos recursos nacionais. Diferente do Sião, o Iraque recusou-se a aceitar o “argumento” dos canhões modernos de Wall Street & Londres; e, como os britânicos tantas vezes fizeram nos “dias de glória” do Império, os canhões fizeram o que ameaçavam fazer.

A Guerra Anglo-Zulu. Causa da guerra: diamante e expansão imperial
E como os britânicos fizeram, quando descobriram diamantes na Zululândia, no final dos 1800, o que os levou a inventar uma casus belli que justificasse a destruição do Reino Zulu, os arquitetos do imperialismo global de nossos dias, também inventaram pretexto muito duvidoso para invadir o Iraque, antes de começar o saque final.

Guerra Anglo-Zulu. “Missão cumprida”. A cidade de Ulandi foi incendiada, e os britânicos tratam de dividir a Zululândia em 14 áreas, governadas por prepostos seus, obedientes e servis. Os britânicos cuidaram muito atentamente de cultivar rivalidades entre os 14 chefetes, para garantir que nunca mais voltassem a unir-se para desafiar as ambições de hegemonia dos britânicos, na região.
(clique na imagem para aumentar)
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No final da Guerra Anglo-Zulu, os britânicos desmontaram a Zululândia, dividida em 14 áreas separadas, cada uma governada por um preposto do Império Britânico, obediente e servil. O império britânico cuidou de semear animosidades entre todos eles, para impedir que ressurgisse a ‘ameaça zulu’. Hoje, vemos as que parecem ser consequências ‘acidentais’ das intervenções militares, que estão levando a confrontos mortais, em alguns casos a guerras civis, no Iraque, na Líbia, no Paquistão, onde há planos para dividir o país, à maneira do que foi feito na Zululândia; e na Síria. Nada disso é acidental, tudo é planejado. Dividir e conquistar é estratagema militar clássico, que não escapou aos olhos e à atenção de Wall Street & London.

Vídeo a seguir: Discurso de despedida de Dwight D. Eisenhower, dia 17/1/1961, alertando os norte-americanos para a ameaça do complexo militar industrial.

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Vídeo a seguir: Iraque à Venda. Lembram-se daquele complexo militar-industrial sobre o qual o presidente Dwight Eisenhower alertou os EUA? O resumo, no caso da Guerra do Iraque é, em primeiro lugar, que não deveria ter existido.

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Se as pessoas estudarem história e virem que os eventos de hoje não passam de repetição, sob novos rótulos, do que o império faz e sempre fez há séculos, as pessoas seriam menos passivas ante o que não passa de ação criminosa de proporções gigantes, de exploração de dimensões globais – que nos é vendida hoje como “intervenção justificada”. Basta olhar o Iraque, hoje destruído, e os lucros que a destruição gerou para as “500 empresas” da revista Fortune; enquanto soldados e civis iraquianos, todos, pagam o preço com o corpo, o sangue, o fim de qualquer futuro e a própria vida.





Notas dos tradutores
[1] É imagem-criação de João Cabral de Melo Neto, no poema A faca só lâmina: “assim como uma faca / que sem bolso ou bainha / se transformasse em parte / de vossa anatomia”. Lê-se, na íntegra, na Revista Bula. Recolhemos aqui, para traduzir o título original “Empire’s Double Edged Sword: Global Military + NGOs”.
[2] É uma das concessões que os EUA querem arrancar hoje do Afeganistão: que os norte-americanos que pratiquem crimes em território afegão, tenham o direito de ser julgados no território dos EUA.
[3] Israel impede que palestinos e não judeus em geral comprem propriedades nos territórios ocupados da Palestina.
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[*] Tony Cartalucci é um pesquisador de geopolítica e escritor sediado em Bangkok, Tailândia. Seu trabalho visa cobrir os eventos mundiais a partir de uma perspectiva do Sudeste Asiático, bem como promover a auto-suficiência como uma das chaves para a verdadeira liberdade.

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