quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pepe Escobar: “O enigma do mercado da China”

13/11/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os 7 mais importantes líderes da China são Xi Jinping (C), Li Keqiang (3ºD), Zhang Dejiang (3ºE), Yu Zhengsheng (2ºD), Liu Yunshan (2ºE), Wang Qishan(1ºD), Zhang Gaoli (1ºE) aguardam o início da 3a. Sessão Plenária do 18o CPC Comitê Central do PCC em Pequim, capital da China

“O foco da reestruturação do sistema econômico (...) é permitir que o [as forças do] mercado tenham papel decisivo na alocação de recursos”.

É isso? O mundo espera sem respirar – e só isso aparece: um enigma, embalado num quebra-cabeças dentro de uma “caixa chinesa”, em forma de comunicado encriptado distribuído pela muito aguardada 3ª Plenária do 18º Comitê Central do Partido Comunista da China.

Para saber quem, afinal, é responsável por isso – o primeiro documento político sério que chega ao público já com a China sob governo do presidente Xi Jinping e do premiê Li Keqiang – basta olhar a foto: são os sete membros do Comitê Dirigente do Politburo, os homens que realmente governam a China. E o que está em jogo não poderia ser mais sério; nada menos que as escolhas estratégicas sobre a inevitável ascensão da China ao status de n. 1 da economia mundial.

É preciso sempre lembrar o modo como trabalha o Partido Comunista da China. A sessão Plenária (O “Pleno”) é o momento em que “se forja o consenso” dentro da elite do PCC e quando se define o tom para o próximo estágio de desenvolvimento em velocidade vertiginosa-temerária chinês.

Fato é que o anticlímax parece ter-se tornado conceito operativo por aqui. O frenesi da mídia na China, pré-Pleno, foi total, incansável – do tipo “mudança na qual se pode crer” (mas, não, nada a ver com as campanhas políticas de estilo norte-americano de um bilhão de dólares). Afinal, o n. 4 no Comitê Dirigente do Politburo, Yu Zhengsheng, prometeu publicamente reformas “sem precedentes”, levando a uma “profunda transformação na economia, na sociedade e em outras esferas”.

China reajustando suas engrenagens políticas e econômicas
O frenesi foi gerado, sobretudo, por um mapa do caminho da reforma, publicado pelo Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento do Conselho do Estado – o chamado plano 383. Na numerologia marca registrada chinesa, o mapa do caminho delineou o “trem do pensamento três em um; as oito áreas chaves; e os três principais projetos de reforma”. “O segredo de uma reforma bem-sucedida seria o manejo adequado dos laços entre o governo e o mercado”.

Um dos autores daquele trabalho, Liu He, diretor do Central Leading Group para Assuntos Financeiros e Econômicos, e vice-diretor da Comissão de Reforma e Desenvolvimento Nacional, tornou-se, de fato, um superstar. E pouco antes do Pleno, o presidente da China – e secretário-geral do PCC – Xi Jinping repetiu que “reforma e abertura são processo continuado, sem fim”.

Para mim, uma glasnost com gelo, por favor

E então? O que realmente significará essa glasnost com características chinesas? A opinião pública chinesa ainda não tem acesso aos detalhes do enigma do dragão dentro da charada – ou vice-versa – embora tudo que tenha a ver com essas reformas tenha impacto direto sobre a vida de 1,3 bilhão de pessoas. De fato, a caixa dentro da qual está o enigma escondido dentro de uma pirâmide – que reflete o processo de decisão monopolizado por uma elite partidária sábia e benigna. “Transparência”, aqui, sequer se aproxima de uma imagem no espelho.

Todos esperavam promessas, pelo partido, de aumentar a independência do sistema judiciário chinês e de manter a luta contra a corrupção e a injustiça social.

Todos esperavam um abrandamento da política do “filho único”, que já dura 33 anos – permitindo que os casais tenham um segundo filho; é natural, considerando o objetivo do PCC, de uma economia baseada no consumo, com a população chinesa já envelhecendo.

A China enrenta o problema de êxodo rural, reforma agrária e reurbanização
Todos esperavam soluções para a reforma agrária, diretamente ligada ao movimento para a nova urbanização.

E, para registrar, é a primeira vez que o PCC reconhece que:

(...) ambos os setores, o público e o privado, são igualmente importantes como componentes de uma economia socialista de mercado, e as importantes bases do desenvolvimento econômico e social de nossa nação. 

Na prática, significará que o PCC estará quebrando o monopólio estatal em umas poucas indústrias estratégicas. Será permitido investimento privado, por exemplo, em bancos, energia, infraestrutura e telecomunicações. Significará também que muitas empresas que são propriedade do Estado deixarão de operar como braços da burocracia governamental. Nesse caso, esperem furiosa oposição dos interesses entrincheirados de sempre – com elites políticas regionais contra Pequim.

O plano máster do PCC é expandir a classe média chinesa para mais de 50% da população, até 2050 (atualmente, está em 12%) – equacionando mais consumo e estabilidade social.

Hoje, o setor público é responsável por mais de 25% do PIB da China. Muitos negócios na China já são empresas público-privadas – mas 25% de todas as empresas privadas têm alguma estatal, como empresas “parentes”. Só 1,3% dos trabalhadores chineses são empresários privados. 2/3 deles trabalhavam, antes, no sistema do partido-estado. E 20% ocupam posição de liderança no seu sistema local do governo ou do partido.

O papel central do estado não deve ser alterado pelas reformas vindouras. Afinal, 40% dos empresários são membros do PCC. Ganharam bom dinheiro da privatização da moradia. Não fazem oposição política ao PCC – e com certeza lucraram com as reformas. O que mais desejam, sobretudo, é um sistema mais eficiente e mais justiça social. Não cultivam nenhuma ideia de mudança de regime.

Watch these comrades rip (Rasgando a fantasia)

No final, o problema absolutamente chave para a próxima etapa da China pode ser facilmente formulado à moda chinesa: como cutucar a economia, sem nenhuma reforma política. Até o Pequeno Timoneiro, Deng Xiaoping – possivelmente o maior estadista da segunda metade do século 20 – disse, repetidas vezes, que nenhuma reforma econômica na China iria jamais muito longe, sem uma reforma no sistema político.

Xi Jinping, Presidente do PC chinês, discursa na 3a. Sessão Plenária do 18o CPC Comitê Central
No curto e médio prazo, é difícil antever o PCC dando licença à Deusa do Mercado para que deite e role à vontade, na economia chinesa. Mais “mercado” à moda ocidental, inevitavelmente acentuará até níveis proibitivos, a desigualdade entre as regiões – exatamente quando o PCC tenta com tanto empenho acelerar o desenvolvimento das províncias mais pobres do interior.

O comunicado críptico é, é claro, só um mapa abreviado do caminho. Serão necessários dias, semanas, até meses, para que se vejam em melhor detalhes as suas implicações. Certo, mesmo, é que o “papel decisivo” das reformas do mercado implica o PCC ao timão, monitorando cada passo do processo.

É feito um ninja que tenta, em tempo integral, domar um dragão imensamente poderoso. Será o combate épico de muitas eras, assistir ao Partido Comunista Chinês – uma imensa burocracia estrutural inserida no governo da China – a cumprir essa tarefa de equilibramento; tendo de domar os próprios instintos que sempre clamam por controle cada vez mais fortemente centralizado (na internet, por exemplo, não se cogita de muita glasnost) e uma explosão de darwinismo social causado por essas forças “irracionais” que absolutamente não dão importância alguma ao emprego e à estabilidade social.

Os Gweilos – estrangeiros bárbaros em geral – que subestimem a decisão chinesa, se quiserem subestimá-la, e por conta e risco deles. Quando o Pequeno Timoneiro lançou sua própria reforma econômica – uma espécie de glasnost – em 1978, ele virou o Partido Comunista Chinês de cabeça para baixo, de fora para dentro, de um lado para o outro, quadrangulou o círculo: o crescimento econômico em velocidade vertiginosa criou a deriva necessária para gerenciar os problemas políticos, com algumas mudanças políticas permitindo aumentar ainda mais a já alucinante velocidade do crescimento econômico.

Portanto... E se Xi eLi vêm aí como Deng remix – e inventam um novo conceito de mercado com características chinesas? O céu – ou a China de volta ao ponto onde permaneceu por 18 dos 20 séculos passados – é o limite.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista político do blog Tom Dispatch e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
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