segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Conflicts Forum - Comentário da semana de 20 a 27/12/2013

10/1/2014, [*] Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mapa político do Oriente Médio e Nordeste da África
Prossegue, rápida, a mudança na região:

Turquia: Embora ninguém deva subestimar o pugilismo cru, brutal, violento do primeiro-ministro Erdogan para manter-se no poder, o [partido] AKP sem dúvida entrou em crise grave. Subjacente ao escândalo em curso – relacionado, na superfície, a acusações de corrupção no Gabinete, “acobertamento” pelo governo e interferência política no trabalho dos procuradores, e investigações policiais das acusações de corrupção – há uma fissura amarga, que se abriu entre o Primeiro-Ministro Erdogan e Fethullah Gulen.

(A rede social e educacional, de orientação sufi, de Gulen, tem ampla base social, mas está também profundamente instalada dentro do sistema turco. Em vários sentidos, assemelha-se a uma rede maçônica, de indivíduos que trabalham por uma causa comum em vários setores da sociedade. A habilidade de Gulen para mobilizar em nível de massa foi – e é – crucial para a capacidade do AKP para manter-se no poder).

A tempestade que se está formando nas relações entre correntes islamistas representadas por Gulen e as alas Ikhwani [Fraternidade Muçulmana] e Conservadora da coalizão governante misturou-se com histórias anteriores (divulgadas pelos EUA e por Israel contra Hakan Fidan, chefe da inteligência), com denúncias de que ele teria “entregue” aos iranianos uma rede de espiões israelenses. Fidan é confidente de Erdogan – e Erdogan, suspeitando de que aquelas histórias tivessem sido plantadas por Gulen para enfraquecê-lo [Erdogan], lançou imediatamente um expurgo de funcionários suspeitos de serem gulenistas.

Agora [período do Natal], os turcos foram surpreendidos pela repentina renúncia de três ministros, cujos filhos eram suspeitos de corrupção (ligada à concessão de grandes projetos de construção). O que mais chocou o povo turco foi que o Ministro do Meio Ambiente e Planejamento Urbano renunciou em discurso vazado em termos muito duros e transmitido pela televisão NTV, em vez de usar o canal noticioso semioficial, como teria feito em circunstâncias “normais”. (Há notícias de que a rede NTV e outros canais “seguraram” o discurso por várias horas, antes de pô-lo no ar – temendo a ira e a retaliação de Erdogan).

Bayraktar disse que fora pressionado a renunciar “para salvar o prestígio do governo”, e acrescentou que o Primeiro-Ministro deveria também renunciar, porque a maior parte das emendas introduzidas nos planos de construção mencionadas nas investigações de corrupção foi feitas por ordem de Erdogan. Bayraktar – que comandava a execução do gigantesco Projeto TOKI (de construção de moradias populares) – disse também que Erdogan pressionara os ministros a emitir uma “declaração para amparar o Primeiro-Ministro”, e acrescentou que Erdogan dera a “luz verde final” em todas as decisões chaves associadas às acusações. Disse ainda que fora forçado a assinar uma “declaração de renúncia” destinada a “livrar o primeiro-ministro e seu governo”.  

Fator que aprofundou ainda mais a crise ainda em andamento é que, em questão de horas depois da prisão dos filhos dos três ministros (além de outros membros do partido AKP), cinco dos principais investigadores policiais que conduziam a investigação de corrupção foram sumariamente demitidos e substituídos, e foram nomeados novos procuradores. No dia seguinte, Erdogan ainda demitiu outros chefes da polícia: ordenou a remoção de mais de 150 chefes de polícia, também em Istambul, e cerca de 400 oficiais de polícia que trabalhavam na investigação de corrupção.

Em reunião do partido, dia 25/12, Erdogan denunciou a operação “corrupção” como nada além de “complô internacional” apoiado por alguns “colaboradores dentro do país, para semear a discórdia na Turquia.” É conspiracionismo, em Erdogan; mas a linguagem sugere claramente que ele esteja convencido de que as investigações estivessem sendo inspiradas por Gulen. Gulen, que vive nos EUA, é também visto, em círculos do partido AKP, como “instrumento” dos EUA. Surpreendentemente, o embaixador dos EUA também foi alvo de ataque orquestrado e organizado, na mídia pró-governo – com o próprio Erdogan a dizer (sem citar o nome do embaixador Ricciardoni) que até embaixadores dos EUA podem ser expulsos do país. Outros veículos noticiaram que a paciência dos EUA com Erdogan está acabando; e registraram “avisos” extraoficiais, por funcionários dos EUA, de que não mais seriam toleradas as repetidas insinuações, por Erdogan, de “complôs” dos EUA contra ele.

Em resumo, Erdogan enfrenta agora severa ameaça à sua posição: é a primeira vez que as acusações de corrupção chegam até ele, pessoalmente; está em guerra contra o movimento Gulen, sem o qual dificilmente o partido AKP conseguirá conservar o poder em futuras eleições; está em posição cada vez mais adversária em relação a Washington (em várias questões); a reforma de seu Gabinete foi feita para eliminar todos os desafios à sua autoridade, mas está sendo vista, mais, como sinal da decadência do partido AKP; está confrontado com Judiciário e com Polícia adversárias – e com a opinião pública, chocada pelas recentes revelações. O teste será muito duro: quanto mais agressivo e desafiador Erdogan se mostra (sua reação habitual), mais perde a simpatia da opinião pública. Uma retomada das “manifestações” públicas do verão passado pode exacerbar a crise a ponto de ameaçar o próprio Gabinete (o mercado de ações já se ressentiu).

Arábia Saudita: Aparentemente, só pequenos movimentos, mas que apontam para algum grande movimento iminente (e a possibilidade real de conflito intrafamiliar). O rei acaba de nomear seu filho Mesha’al ao cargo de governador de Meca. Os filhos do rei estão agora em vários postos chaves do comando do reino: vice-governador de Riad; comandante da poderosa guarda pretoriana, os 100 mil Guardas Nacionais; governador de Meca; presidente da Cruz Vermelha Saudita; e vice-ministro de Relações Exteriores. Tudo indica que não tardará a decisão sobre a sucessão: e que aponta para um dos filhos do rei (provavelmente, Mutaib). O rei Abdullah promoveu o príncipe Mutaib em 2013 ao cargo de primeiro ministro da Guarda Nacional, elevando o comando da força de elite da segurança do reino ao status de ministério, e inserindo o filho no Gabinete.

A Guarda Nacional da Arábia Saudita [orig. Saudi Arabia National Guard (SANG)] foi comandada por Abdullah de 1962 até 2010; ao longo de seu meio século de comando, Abdullah abasteceu-a com as melhores armas e equipamentos que o dinheiro pode comprar, e converteu-a na mais forte unidade militar do país, maior e melhor que o exército regular. De fato, os filhos do rei, agora controlando Meca e Riad e no comando da SANG de elite, estão em posição para bloquear qualquer assalto direto ao poder que possa ser concebido por Mohammad bin Niaf (favorito dos EUA) – no caso de ele e seu grupo (que comanda as forças de segurança do Ministério do Interior) tentarem impor “fatos em campo” em alguma disputa pela sucessão.

Síria: Em primeiro lugar, o Exército Árabe Sírio obteve avanços em todos os fronts – e retomou para o estado sírio o controle em várias áreas (embora algumas menores e algumas maiores) mediante negociação; em segundo lugar, nações ocidentais recentemente reunidas em Londres deixaram bem claro para a oposição síria que Assad não deve sair, porque aquelas nações entendem que, sem ele, o futuro favorece a tomada do poder por militantes islamistas – segundo alto membro da Coalizão muito próximo da Arábia Saudita; e em terceiro lutar (e sinal de que o conflito sírio aproxima-se de algum tipo de conclusão), o seguinte:

– O jornal Russia Today noticia que Damasco fechou grande negócio de petróleo e gás com a empresa russa Soyuzneftegaz, para perfuração e extração em águas territoriais sírias, desenvolvimento e produção. É o primeiro acordo desse tipo. O acordo permite a exploração de 2.190 quilômetros quadrados no Mediterrâneo. Os custos, estimados em cerca de US$90 milhões, serão cobertos integralmente pela empresa russa Soyuzneftegaz. O contrato prevê exploração de petróleo no Bloco n.2 das águas territoriais sírias, que se estende das cidades de Tartus e Banyas. O Ministro do Petróleo, Suleiman Abbas, disse que o contrato tem vigência de 25 anos, e se desenrolará em vários estágios. “No primeiro estágio, de pesquisa e prospecção inicial, a empresa contratante deve investir 15 milhões” – disse a porta-voz do ministério de Recursos Naturais da Síria. – “Adiante, durante os testes de perfuração, a contratante investirá mais $75 milhões, para fazer pelo menos um poço-teste” – acrescentou ela, citada pela rede RIA Novosti. No caso de o teste comprovar que o sítio tem possibilidades em escala comercial para petróleo e gás, a empresa russa construirá a necessária infraestrutura para desenvolver o campo e extrair os recursos, disse a porta-voz.

Líbano: Seyyed Hassan Nasrallah alertou, em discurso (baseado em informação forte de inteligência) que o Líbano enfrenta assalto combinado de fontes externas [sem nomes; mas, no contexto de sua fala, sugere a Arábia Saudita], que vai bem além de ataques periódicos de suicidas-bomba (como os de 27/12) – e escaramuças de fronteira no vale do Beka’a. Deixou bem claro também (ideia depois reforçada por Sheikh Naim Qassem) que o Hezbollah não aceitará a prorrogação do mandato de Michel Suleiman como presidente, nem a possibilidade de algum governo “neutro” ou “de fato” – que exclua representantes do Movimento 8 de Março.

Egito: Avança a polarização da sociedade egípcia: não apenas a Fraternidade Muçulmana foi declarada organização terrorista, mas também qualquer atividade de apoio aos Irmãos (como manifestações de apoio ao presidente Mursi, ou protestos contra a junta militar) será considerada crime, com sentença prevista de (no mínimo) cinco anos de prisão. Porta-vozes da Fraternidade Muçulmana responderam que os protestos planejados prosseguirão como nos dias anteriores. Além disso, destacados secularistas e figuras da esquerda egípcias, que se têm manifestado com declarações de que a tomada do poder pelo general Sisi não é compatível com as aspirações da revolução, têm sido detidos e presos, em números crescentes.




[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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