terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Só mentiras sobre o tal Irã “nuclear”

Como foram inventadas (e por que não acabarão)

6/2/2014, [*] Gareth Porter, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


WASHINGTON – Quando agências ocidentais de inteligência começaram, no início dos anos 1990s, a interceptar telexes de uma universidade iraniana para empresas estrangeiras de alta tecnologia, os analistas de inteligência convenceram-se de que ali estariam os primeiros indícios de envolvimento dos militares no programa nuclear iraniano. Essa ideia levou à “conclusão”, pela inteligência dos EUA, ao longo de toda a década seguinte, de que o Irã estaria empenhado, secretamente, na construção de armas atômicas.

A suposta prova dos esforços militares para comprar equipamento para enriquecimento de urânio, que parecia haver nos telexes, foi também a principal base para que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) passasse a investigar o programa nuclear iraniano, de 2003 até 2007.

Mas aquela interpretação dos telexes interceptados, sobre a qual se basearam todas as “conclusões”, como depois se soube, era fundamentalmente errada. Os analistas, decididos a encontrar qualquer prova de algum programa nuclear iraniano, haviam assumido, erradamente, que a combinação de consultas sobre tecnologias só poderia ser relevante para um programa nuclear. E o suposto papel de uma instituição relacionada com os militares só poderia significar que os militares iranianos estariam por trás das consultas e contatos.

Em 2007-08, o Irã ofereceu provas sólidas de que as consultas para compra e as encomendas de tecnologias à venda haviam sido feitas por professores e pesquisadores acadêmicos.

Os telexes interceptados que puseram em marcha toda uma sequência de avaliações pela inteligência dos EUA, de que o Irã estaria trabalhando para construir bombas atômicas, foram enviados da Universidade Sharif de Tecnologia, em Teerã, a partir do final de 1990 e continuaram até 1992. As datas dos telexes, as consultas e encomendas específicas e o número do telex do Centro de Pesquisas Físicas do Irã [orig. PHRC] foram revelados em fevereiro de 2012, em artigo assinado por David Albright, diretor executivo do Institute for Science and International Security, e dois coautores. 

Localização de instalações nuclares do Irã
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Os telexes que mobilizaram as agências de segurança depois daquilo falavam de tecnologias para duplo uso, o que implicava que tinham a ver com conversão e enriquecimento de urânio, mas podiam ser usadas para aplicações não nucleares.

Porém, o que despertou as mais terríveis suspeitas entre os analistas de inteligência foi o fato de que os pedidos de compra levavam o número do telex do Centro de Pesquisas em Física [orig. Physics Research Center (PHRC)], conhecido por ter contratos com os militares iranianos.

Agências de inteligência dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e Israel partilhavam dados brutos de inteligência relacionados aos esforços dos iranianos para fazer avançar seu programa nuclear, segundo várias fontes publicadas.

Os telexes mostravam consultas e pedidos de compra de equipamento “de alto vácuo”, imãs “em anel”, uma máquina de balanceamento e cilindros de gás fluorídrico (HF) [orig. fluorine gas], todos esses itens considerados úteis para um programa de conversão e enriquecimento de urânio.

Uma Schenck balancing machine [Há máquinas a venda, hoje (NTs)] encomendada no final de 1990 ou início de 1991 chamou a atenção de analistas de proliferação, porque poderia ser usada para estabilizar as partes montáveis do rotor da centrífuga P1 para enriquecimento de urânio. Os ímãs “em anel” encomendados pela universidade, pelo que se supunha, poderiam servir para a produção de centrífugas. 

Locais de minas, reatores e enriquecimento de urânio do Irã
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A encomenda de 45 cilindros de gás (ou ácido) fluorídrico pareceu suspeita, porque o flúor é misturado ao urânio para produzir hexa fluoreto de urânio (UF6), a forma de urânio usada para o enriquecimento.

A primeira alusão indireta à “prova” dos telexes apareceu na mídia no final de 1992, quando um funcionário do governo de George H W Bush disse ao Washington Post que o governo estava trabalhando para proibir a venda, para o Irã, de qualquer tecnologia relacionada a programas nucleares, por causa do que chamou de “um padrão de encomendas muito suspeito”.

Então, se noticiou pela primeira vez que os iranianos estavam tentando obter essas específicas tecnologias de grandes fornecedores estrangeiros, sem qualquer referência aos telexes interceptados, num documentário exibido numa edição do programa Frontlines, do Public Broadcasting System, intitulado “Iran and the Bomb” [O Irã e a bomba], em abril de 1993. Nesse documentário, as encomendas foram mostradas como clara indicação de que havia um programa iraniano para construir armas atômicas.

O produtor do documentário, Herbert Krosney, descrevia em termos semelhantes esses esforços dos iranianos também em seu livro Deadly Business [Negócios mortais] publicado também em 1993.

Em 1996, o diretor da CIA no governo do presidente Bill Clinton, John Deutch, declarou que:

(...) ampla variedade de dados indicam que Teerã determinou a organizações civis e militares que apoiem a produção de material físsil para armas atômicas.

Todas as instalações e facilidades nucleares iranianas
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Ao longo de toda a década seguinte, os especialistas da CIA em não proliferação continuaram a apoiar naqueles telexes todas as suas análises, desenvolvendo o “tema” de que o Irã estaria, sim, desenvolvendo armas atômicas. A National Intelligence Estimate de 2001 [Relatório oficial da inteligência dos EUA, que concentra avaliações de todas as 16 agências norte-americanas de inteligência], top-secret, levava o título de “Iran Nuclear Weapons Program: Multifaceted and Poised to Succeed, but When?” [Programa iraniano de armas nucleares: multifacetado e posicionado para dar certo, mas quando?”].

O ex-vice-diretor-geral para Salvaguardas, da Agência Internacional de Energia Atômica, Olli Heinonen, escreveu, em artigo de maio de 2012, que a AIEA havia obtido “um conjunto de informações sobre encomendas [feitas pelo] Centro de Pesquisa Físicas do Irã [orig. PHRC]” – referência evidente ao conjunto de telexes – que o levara a iniciar uma investigação em 2004, a qual, adiante, seria chamada de “Atividades de compras feitas pelo ex-diretor do Centro de Pesquisa em Física do Irã [orig. PHRC]”. 

Mas depois do acordo de agosto de agosto de 2007 entre o Irã e o diretor-geral da AIEA, Mohamed ElBaradei, sobre um cronograma para a resolução de “todas as questões remanescentes”, o Irã forneceu plena e completa informação sobre todas as questões das compras que a AIEA havia levantado.

A informação foi distribuída pelo ex-diretor do Centro de Pesquisa em Física do Irã [orig. PHRC], Sayyed Abbas Shahmoradi-Zavareh, que era professor na Universidade Sharif naquele momento, e que recebeu solicitações de vários departamentos da Universidade para ajudar a encomendar e comprar equipamento ou material para ensino e pesquisa da própria universidade.

O Irã ofereceu provas abundantes em apoio às explicações que deu para cada consulta de compra ou encomenda que a AIEA estava investigando. Mostrou que o equipamento de alto vácuo fora solicitado pelo Departamento de Física, para experiências que os alunos estavam desenvolvendo de evaporação e técnicas de vácuo para produzir revestimentos finos de alta resistência; ofereceu os manuais de instruções redigidos para as experiências, comunicações internas e até os documentos de embarque das encomendas. 

Como Israel pode atacar o Irã
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O Departamento de Física também comprou ímãs para experiências de “Lenz-Faraday” nos quais os alunos trabalhavam; também exibiu os manuais de instruções, os pedidos originais de fundos para a compra e a fatura enviadas pelo fornecedor, correspondentes às compras pagas em dinheiro. A balancing machine foi comprada para o Departamento de Engenharia Mecânica; toda a compra foi comprovada com documentação similar, tudo entregue à AIEA. E os inspetores da AIEA constataram que a máquina estava, sim, instalada naquele departamento da Universidade.

Os 45 cilindros de gás fluorídrico que Shahmoradi-Zavareh tentara encomendar haviam sido pedidos pelo Gabinete de Relações Industriais para pesquisas sobre a estabilidade química de polímeros de revestimento, como se comprova pela carta original da encomenda e correspondência trocada entre o ex-diretor do PHRC e o presidente da universidade.

O relatório da AIEA de fevereiro de 2008 mostra toda a documentação detalhada fornecida pelo Irã sobre cada uma dessas questões; nenhum documento foi rejeitado ou considerado não satisfatório pela AIEA. O relatório declarou que “no atual estado das investigações essa questão está resolvida”, contra toda a pressão que os EUA fizeram sobre ElBaradei para que não concluísse o relatório, nem desse por resolvida nenhuma das questões que estavam sendo investigadas. Essa pressão, exatamente, foi comprovada por telegramas diplomáticos distribuídos por WikiLeaks.

O relatório da AIEA mostrou, em 2008, que a inteligência inicial, base para todas as denúncias que os EUA fizeram contra um suposto programa nuclear iraniano, ao longo de mais de uma década, era inteligência completamente errada.

Mas esse desenvolvimento crucial, na narrativa da história “nuclear” do Irã não foi sequer registrado pela imprensa-empresa.

Naquele momento, o governo dos EUA, a AIEA e o bloco da imprensa-empresa nos EUA e no mundo já haviam arranjado outras supostas “provas”, ainda mais dramáticas: um conjunto de documentos, supostamente roubados de um laptop no Irã, associado com um suposto programa clandestino de armas atômicas iranianas, que teria sido desenvolvido de 2001 a 2003. E o relatório oficial da inteligência dos EUA [National Intelligence Estimate] de 2007 concluiu que o Irã mantivera o tal programa, sim, mas o programa fora suspenso em 2003. 

Bases de mísseis e combustíveis (produção) do Irã

O Departamento de Física também comprou ímãs para experiências de “Lenz-Faraday” nos quais os alunos trabalhavam; também exibiu os manuais de instruções, os pedidos originais de fundos para a compra e a fatura enviadas pelo fornecedor, correspondentes às compras pagas em dinheiro. A balancing machine foi comprada para o Departamento de Engenharia Mecânica; toda a compra foi comprovada com documentação similar, tudo entregue à AIEA. E os inspetores da AIEA constataram que a máquina estava, sim, instalada naquele departamento da Universidade.

Os 45 cilindros de gás fluorídrico que Shahmoradi-Zavareh tentara encomendar haviam sido pedidos pelo Gabinete de Relações Industriais para pesquisas sobre a estabilidade química de polímeros de revestimento, como se comprova pela carta original da encomenda e correspondência trocada entre o ex-diretor do PHRC e o presidente da universidade.

O relatório da AIEA de fevereiro de 2008 mostra toda a documentação detalhada fornecida pelo Irã sobre cada uma dessas questões; nenhum documento foi rejeitado ou considerado não satisfatório pela AIEA. O relatório declarou que “no atual estado das investigações essa questão está resolvida”, contra toda a pressão que os EUA fizeram sobre ElBaradei para que não concluísse o relatório, nem desse por resolvida nenhuma das questões que estavam sendo investigadas. Essa pressão, exatamente, foi comprovada por telegramas diplomáticos distribuídos por WikiLeaks.

O relatório da AIEA mostrou, em 2008, que a inteligência inicial, base para todas as denúncias que os EUA fizeram contra um suposto programa nuclear iraniano, ao longo de mais de uma década, era inteligência completamente errada.

Mas esse desenvolvimento crucial, na narrativa da história “nuclear” do Irã não foi sequer registrado pela imprensa-empresa.

Naquele momento, o governo dos EUA, a AIEA e o bloco da imprensa-empresa nos EUA e no mundo já haviam arranjado outras supostas “provas”, ainda mais dramáticas: um conjunto de documentos, supostamente roubados de um laptop no Irã, associado com um suposto programa clandestino de armas atômicas iranianas, que teria sido desenvolvido de 2001 a 2003. E o relatório oficial da inteligência dos EUA [National Intelligence Estimate] de 2007 concluiu que o Irã mantivera o tal programa, sim, mas o programa fora suspenso em 2003. 




Gareth Porter
[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de 1942) é um historiador americano, jornalista investigativo, autor e analista político especializado na política de segurança nacional dos EUA.Especialista em Vietnã e ativista anti-guerra durante a Guerra do Vietnã, servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro de Recursos da Indochina.Foi muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge, partido do governo do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera – em inglês, The Nation, Asia Times, Inter Press Service, The Huffington Post e Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo, que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em Londres. Porter é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política Internacional na Universidade de Chicago e seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política Internacional no City College of New York e na American University. Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações internacionais.


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