sábado, 1 de março de 2014

Ucrânia: Corda e nó no pescoço da diplomacia dos EUA

28/2/2014, [*] Nikolai Bobkin, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Casa Branca por Matteo Bertelli
A Casa Branca resolveu que a Ucrânia entrará num período de transição, embora não se saiba para onde, exatamente, caminha o país. O presidente Obama prometeu cooperar com todos os partidos, sem ter sequer ideia do que, exatamente, estava dizendo.

Não se sabe, sequer, quem ganhou e quem perdeu, por efeito da intervenção norte-americana, mas o massacre pelo qual está passando a Ucrânia permite dizer que já é estado não existente. Os EUA não podem se mostrar distantes dos eventos na Ucrânia, mas tampouco têm meios para agir sozinhos.

Os EUA sabem como desestabilizar outros países, mas, como agora, gostariam muito de contar com a ajuda de Moscou para acertar as coisas na Ucrânia...

Washington nunca pensou na Ucrânia, quando o país vivia em calma, pelo menos jamais manifestou qualquer interesse em desenvolver laços bilaterais. Os EUA estão no décimo lugar, na lista dos maiores investidores na economia da Ucrânia, com estoque de apenas 1 bilhão de dólares. Nunca se dedicaram a conhecer os interesses do parceiro. 

Centenas de pessoas em  New Brunswick protestaram entre 26/10 e 5/1/2013 contra a
extração de gás de xisto (shale gas) a mesma coisa que os EUA pretendem fazer na Ucrânia
Os EUA promovem a produção não tradicional de gás, nos depósitos ocidentais pouco lucrativos, onde a população não está inclinada a apoiar a “amizade do xisto” com os EUA [1]. Nenhum projeto de investimento em outro setor de energia existe e nada há que vise a aumentar as trocas comerciais. As trocas, aliás, são mínimas: as exportações dos EUA para a Ucrânia não passam dos 200 milhões de dólares, e as exportações ucranianas para os EUA mal chegam a $60-70 milhões.

Diferente disso, os laços entre Ucrânia e Rússia são muito mais próximos; de fato, não há comparação possível. O comércio entre Rússia e Ucrânia ultrapassa 40 bilhões de dólares; a Rússia é o principal mercado para a Ucrânia (aproximadamente 10 bilhões de dólares).

Quando Yanukovich chegou ao poder em 2010, os EUA concentraram seus esforços em desenvolver alguma cooperação no campo da não proliferação nuclear; as partes concordaram que a Ucrânia não teria urânio altamente enriquecido. Os EUA prometeram ajuda na descontaminação do território afetado pelo desastre nuclear de Chernobyl. Essa ajuda jamais chegou. Já faz muito tempo que os EUA vêm substituindo dinheiro por promessas, em ouvidos sempre prontos a acreditar em palavras ocas.

Os cérebros da política exterior de EUA e Grã-Bretanha, John Kerry e William Hague, jamais discutiram qualquer ajuda urgente à Ucrânia, em nada que se parecesse a alguma reunião especial. No máximo, trocaram ideias sobre o tema, quando se cruzaram nos corredores da Conferência sobre Abusos Sexuais e Conflitos Armados que se realizou em Washington (?).

William Hague (E) e John Kerry (D)
O Secretário do Exterior da Grã-Bretanha disse que os novos líderes políticos em Kiev ainda teriam de comprovar que seriam capazes de implementar reformas e combater a corrupção. Hague acredita que, assim, melhorarão as chances de o país obter ajuda financeira da comunidade internacional. Quer dizer, portanto, que é outra vez, como sempre, chantagem e queda-de-braço, dessa vez aplicadas contra gente que depositou suas esperanças na ajuda ocidental. A única coisa sobre a qual não há dúvida alguma é que não haverá dinheiro dos EUA para a Ucrânia.

Do ponto de vista dos EUA, Yanukovich nunca foi o pior presidente da Ucrânia. Foi derrubado por golpe, movimento que anda ao arrepio dos princípios norte-americanos de respeito à lei e à democracia.

Os norte-americanos perguntam-se o que Obama faria se seus adversários se armassem e se pusessem a lançar coquetéis molotov contra o Capitólio, invadissem a Casa Branca e quebrassem as vidraças do Salão Oval? O presidente dos EUA aceitaria calmamente que o Congresso, de repente, lhe tirasse todos os seus poderes e o demitisse, sem aviso prévio e sem nenhum dos procedimentos que a lei exige para demitir o presidente, e em momento em que agitações e o caos tomassem conta do país?

Barack Obama
Norte-americanos sérios e respeitadores da lei absolutamente não entendem como é possível que Obama tenha dito a Yanukovich que tirasse as forças de segurança das ruas, quando havia combate nas ruas de Kiev e já havia mortos. Como é possível?

Para muitos, nos EUA, a reação de Obama foi, de fato, de incitamento ao golpe e à violência. Na verdade, o governo dos EUA emitiu uma licença para matar, e é responsável por dúzias de vidas humanas perdidas em Kiev. Vergonha, para os EUA.

O fato de que Obama tentou esconder-se por trás de funcionários nomeados por ele e que trabalham para ele e fugiu de qualquer encontro direto com Yanukovich, não é desculpa para suas ações. A política dos EUA para a Ucrânia foi entregue nas mãos do vice-presidente Joe Biden naqueles dias críticos. Foi Biden quem falou NOVE VEZES com Yanukovich pelo telefone... Agora, é o secretário de Estado John Kerry que se põe a falar sobre a Ucrânia do modo mais absurdo e confuso, tentando encobrir o estúpido fracasso da diplomacia dos EUA.

Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia
Falando sobre os eventos, Kerry diz que não é “jogo de soma zero”. Ora essa! Em jogo de soma zero, o vencedor ganha tudo que o perdedor perca. O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, observou que Kerry tinha dificuldades com números, quando falou sobre a Ucrânia na Conferência de Munique. O secretário de Estado disse que Kiev teria de escolher entre o mundo todo e um único país. Agora, o mesmo secretário de Estado já começou a falar de “trabalhar em conjunto com a Rússia”.

A Casa Branca expôs seu apoio à integridade territorial da Ucrânia. Já começou a enfatizar, até, a importância da participação da Rússia no gerenciamento da crise. O Secretário do Exterior da Grã-Bretanha William Hague admitiu que seria importante que a Ucrânia cooperasse com ambos: com a Rússia e com a União Europeia.

Sim, mas... A questão importante não é o que eles pensem. A questão importante é se a Rússia quer cooperar com o novo regime em Kiev. 

Moscou condena resoluta e veementemente o crescimento de sentimentos neonazistas e neofascistas na parte ocidental da Ucrânia, as ideias de proibir o idioma russo, de converter os falantes de russo em “não cidadãos”, de limitar a liberdade de expressão e de extinguir todos os partidos políticos não prestigiados pelo novo regime. Washington precisa entender também que os líderes da Praça Maidan, que juraram fidelidade a valores europeus, lá estavam em flagrante violação de normas fundamentais da Constituição da União Europeia, relacionadas ao modo de tratar nacionalidades minoritárias, inclusive minorias que falem seus próprios idiomas.

Zbigniew Brzezinski
Nesse contexto, as predições de Zbigniew Brzezinski, essa semana, no Financial Times, de que a maioria dos ucranianos converter-se-ão em inimigos da Rússia soam, só, como piada macabra de russófobo decrépito. Essa semana, Zbigniew Brzezinski recomendou explicitamente a finlandização da Ucrânia. [2] Implica respeito mútuo, amplos laços econômicos com Rússia e com a União Europeia, não alinhamento com nenhuma das alianças militares que a Rússia vê como hostis. Assim, a cooperação entre Rússia e Europa faria progressos. Em resumo a finlandização está sendo oferecida como padrão de relações entre Ucrânia, União Europeia e Rússia. Ok, mas... Que conversa é essa?!

Não foi a Rússia, mas a União Europeia, quem disse que a Ucrânia teria de escolher entre a Europa e a Rússia. Foi o ultimatum lançado pela União Europeia, que Yanukovich teve de enfrentar. O presidente Putin da Rússia só fez perguntar por que, afinal, a Ucrânia teria de escolher, fosse o que fosse. Segundo ele, Moscou estava pronta para ajudar e a impedir o colapso da Ucrânia, unindo esforços com o ocidente. A ajuda poderia vir na forma de um pacote de ajuda tripartite. Washington e Bruxelas recusaram.

A eles, portanto, não à Rússia, é que Brzezinski deve dar suas lições de finlandização. Moscou jamais esqueceu que os ucranianos são nação-irmã – a Rússia e a Ucrânia são duas partes de uma mesma civilização.

Por isso, exatamente, o ocidente jamais inclui a Ucrânia na lista de seus aliados incondicionais.


Notas dos tradutores

[1] P. ex.; 5/12/2013, NB MEDIA CO-OP, Najat Abdou-McFarland em: View from the Longhouse: hundreds unite in peace and friendship against shale gas

[2] 24/2/2014, Zbigniew Brzezinski, em: Russia needs a “Finland option” for Ukraine [A Rússia precisa de uma “opção Finlândia” para a Ucrânia], Financial Times (só para assinantes) . Excertos:

Os EUA podem e devem fazer saber claramente ao Sr. Putin que os EUA estão preparados para usar sua influência para garantir que uma Ucrânia verdadeiramente independente e territorialmente íntegra trabalhará a favor de políticas para a Rússia semelhantes às efetivamente praticadas pela Finlândia: relações respeitosas de vizinhança, com amplas relações econômicas com a Rússia e com a União Europeia; nenhuma participação em qualquer aliança que Moscou considere como dirigida contra ela, mas expandindo sua conectividade europeia.

[Essa finlandização da Ucrânia seria necessária, para Brzezinski, porque]

A Rússia ainda pode lançar a Ucrânia numa destrutiva e internacionalmente perigosa guerra civil. Pode induzir e depois apoiar a secessão na Crimeia e em algumas partes industrializadas do leste do país

O artigo de onde foi tirada a frase acima: The Finlandization of Ukraine? não nos interessou, porque, se Brzezinski escreve como perfeito doido russófobo senil, o autor do artigo escreve como doido-de-repetição, ainda mais atrasado-atrasante.
__________________


[*] Nikolay Bobkin é Ph.D. em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.

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