quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Robert Fisk: Como os islamistas do ISIS/ISIL recebem essas armas norte-americanas?

4/11/2014, [*] Robert FiskThe Independent
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

 

Restos de bombas fabricadas nos EUA atiradas
pelo ISIS/ISIL contra o Exército da Síria
As forças especiais da Síria distribuem-se ao longo de uma série de colinas aqui bem ao nordeste de Lataquia, uma das linhas de combate mais perigosas do país, sob fogo diário de mísseis de forças rebeldes agora reforçadas pelo apoio do ISIS.

Os oficiais, que são todos pára-quedistas, falam de novas táticas e armas avançadas usadas contra eles desde que o ISIS tomou a cidade iraquiana de Mosul – e grande parte do tráfego de mensagens que ouvem dos inimigos vem em idiomas checheno ou georgiano.

Relatos de inteligência falam de uma unificação de várias facções rebeldes que se autodenominam “Legião da Costa” [orig. “Legion of the Coast”], claro sinal de que rebeldes inspirados pelo ISIS – incluídos os próprios apoiadores do ISIS – planejam atacar a oeste na direção do Mediterrâneo, cerca de 12km dali.

Pode-se apostar que logo começará uma batalha naquelas montanhas cobertas de pinheiros.

Os próprios soldados falam com conhecimento detalhado sobre os mísseis guiados por detectores de calor que foram disparados contra eles, e concordam que a mistura de grupos islamistas acima e a leste deles estão fazendo ataques calculados para estimar as defesas que terão pela frente.

Região de Latáquia, oeste da Síria
Intrigante, é que suas patrulhas de vigilância voltam ao nascer do dia e reportam o som de aviões durante a noite voando na direção do espaço aéreo sírio, vindos da Turquia e depois para o leste, penetrando fundo na Síria.

A coisa começou há 20 dias. Não sabem se as aeronaves – aviões ou drones – são norte-americanos e não se ouvem tiros, nem de dia nem de noite. Mas os oficiais deles falam das novas armas antiblindados TOW que apareceram em mãos de rebeldes.

Um oficial mostrou-me um vídeo filmado de um website islamista, de rebeldes disparando um foguete orientado por calor no próprio acampamento, pouco ao norte de onde estamos, em Qastel Ma’af. Mas vê-se o míssil explodindo, de fato desintegrado, contra o revestimento de concreto em torno de um tanque.

Mas quando um soldado trouxe um saco cheio de fragmentos de míssil para uma sala nessa fortaleza síria de alto de montanha, viram-se fascinantes provas do que realmente é o armamento dos rebeldes. Muitos mísseis fragmentam-se em milhares de pedaços na detonação, mas há apenas pouco mais de um mês, dia 26/9/2014, um míssil guiado explodiu enterrado fundo na areia; e os fragmentos desse míssil ainda trazem, bem nítido, o nome do fabricante norte-americano de armas, painéis de circuito e o código da arma.

Parte do míssil identifica como fabricante a empresa “Eagle-Piche IND (Indiana) INC.”, e diz, em inglês, que a arma é “carregada com hélio”, acrescentando – muito irônico – que:

ATENÇÃO – CONTÉM 6400 PSIG He (altamente explosivo). A LEI FEDERAL PROÍBE O TRANSPORTE SE RECARREGADO. MULTA DE ATÉ US$ 25,000 E CINCO ANOS DE PRISÃO (49 USC 1809).


Os sírios não sabem como essa arma – que parece ter sido fabricada em 1989 – viajou, a partir dos EUA, até as mãos de islamistas rebeldes ali, na Síria. Mas os norte-americanos com certeza têm como descobrir. O código completo de computador que ali se lê é o seguinte:

DOT-E7694 NRC6400/11109/M1033 79294 ASSY 39317 MFR 54080.

Um tubo de bateria de outro míssil disparado dia 4/10/2014, mostra uma inscrição gravada no metal:

132964 Battery thermal
MFG DATE 12/90 LOT n. (algarismo ilegível, depois) 912 S/N 005959.

Com esses códigos, os EUA poderão facilmente descobrir o comprador – ou receptador – da arma, se quiserem descobrir alguma coisa.

Como os islamistas receberam essas armas norte-americanas? Compraram, no mercado internacional de armas? Ou receberam dos rebeldes ‘'moderados'’, que ganharam as armas dos norte-americanos e depois revenderam pela melhor oferta.

A prova de o quanto são perigosas essas bases do alto das montanhas – e estão distribuídas pelo interior do país, que parece mais com colinas e vales da Bósnia, do que com a paisagem desértica e rural conhecida do interior da Síria – apareceu quando um general recebeu aviso por rádio de que um suicida-bomba se encaminhava na direção de suas posições.

O general imediatamente ordenou que todos os postos sírios de segurança abrissem fogo contra qualquer suspeito que forçasse a aproximação na direção de suas posições. Teve bons motivos, porque há apenas sete meses, vários de seus companheiros mais próximos foram aniquilados num atentado de rebelde suicida-bomba na “Posição 45”, de uma colina próxima, ao norte de Qastal Ma’af.

Por acaso, eu visitara aquela mesma posição há exatamente um ano, e fui apresentado àqueles soldados pelo comandante, general Mohamed Marrouf.


O blindado que se aproximou, saído da neblina, porém, não era o que o general chamara. Dirigido por um suicida-bomba, o veículo avançou até o centro da edificação, carregado com 15 toneladas de explosivos, e detonou-o, produzindo uma explosão cujo estrondo foi ouvido até o Mediterrâneo, e matou quase todos os soldados, inclusive o general Maarouf e abriu uma cratera de 10m de largura e 5m de profundidade.

Horas depois, um vídeo dos islamistas mostrava al-Chichani rindo com outros colegas rebeldes, vangloriando-se de sua vitória. Um oficial me disse: “Quase todos os soldados que você conheceu em novembro passado foram martirizados”.

Vários oficiais sírios creem que os chechenos são mandados para o combate porque aquela região é muito parecida com a terra natal deles. Todas as comunicações vêm sempre cheias de vozes turcomenas, muitos deles são turcomenos sírios, outros falam com sotaque turco, quase sempre pedindo reforços ou requisitando mais mísseis ou munição.

Os sírios sabem que os inimigos também ouvem o rádio sírio, embora os sírios tenham equipamento de comunicação mais sofisticado. Agora, desconfiam que os islamistas já conseguem ouvir conversas feitas por linha terrestre.

Suicida-bomba do ISIS/ISIL explode no centro de Kobane
Ano passado (2013), mais combatentes da Frente al-Nusra e de Jund el-Islam apareceram em linhas de ataque contra linhas de frente sírias – embora “linha de frente” talvez não explique bem do que se trata. Em áreas cobertas de florestas e árvores, a área “controlada” por soldados sírios ou pelos rebeldes é apenas nocional. Como disse um oficial sírio há alguns meses, de um outro campo de batalha, “o soldado sírio controla o chão onde põe os pés” – expressão bem conhecida, que provavelmente se aplica a muitas das guerras do mundo.

De fato, os postos dos rebeldes estão a talvez uns 2,5 km de Ash-Shaqraa, mas os dois lados, às vezes, descobrem-se a apenas 200 m de distância um do outro. Os turcomenos são usados nas batalhas, por causa do conhecimento que têm da região, mas os soldados aqui observaram que os “rótulos e marcas” dos vários grupos islamistas mudam sempre. Se oISIS está ali, como estrutura organizada, dizem eles, é grupo ainda muito pequeno. Mas já perceberam que os rebeldes agora usam mísseis que penetram em blindados, pela primeira vez; e que pela primeira vez têm mísseis com alcance de 5 km. Dentre os sotaques árabes que se ouvem pelo rádio, há vozes do Egito, Líbia, da região do Golfo Pérsico, Tunísia e Marrocos.

Pequenas facções islamistas parecem engolir as menores, “como baleias” – disse-me um soldado, nessa expressão inesquecível. – E acrescentou: “é questão de tempo, e uma grande facção terá engolido todas as menores”. Não usou a palavra árabe “Daesh” – para ISIS – mas deve ser, sim, o que acontecerá. Algumas unidades pertencem à “Liwa al-Adiyat” [aprox. “brigada dos grandes castigos” (orig. “Brigade of Great Ordeals”)], mas onde essas unidades entram em combate, logo chegam outras facções para dar-lhes apoio.

Soldados turcos na fronteira com a Síria
Os soldados sírios também observaram grande número de soldados e blindados turcos reunindo-se junto à fronteira ao norte, e a construção de novas fortalezas de concreto, para tropas turcas, no cume da montanha Al Aqra. Dizer que a situação aqui é “tensa” seria ceder a um velho clichê.  Basta dizer que, depois de me oferecer binóculos para olhar as florestas, um oficial disse-me que voltasse para trás de uma pilha de sacos de areia, para não atrair na nossa direção o fogo de atiradores isolados.

Um dos mais próximos companheiros do general Marrouf esteve em Ash-Shaqraa no domingo, e recordou a última conversa que tive com seu ex-comandante. “Ele disse ao senhor, Mr. Robert, que viveria até a vitória ou seria martirizado. Bem... Cumpriu a promessa!”.
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[*] Robert Fisk é filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times onde trabalhou até 1988 substituindo o correspondente do jornal no Oriente Médio. Mudou para o The Independent em 1989- após uma discussão com seus editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento.
Cobriu a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao conflito israelo-palestino. Ele é um defensor da causa palestina e do diálogo entre os países árabes, o Irã e Israel.
Considerado como um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano; os assassinatos promovidos por Saddam Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda em 1993, no Sudão, em 1996 e em 1997, no Afeganistão.  
Robert Fisk é o correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.

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