quarta-feira, 17 de junho de 2015

EUA: Da Guerra Fria II ao McCarthyismo II


16/6/2015, [*] Robert ParryConsortiumnews
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
Exclusivo: Com a Guerra Fria II em pleno andamento, o New York Times está tirando a poeira do que pode ser chamado de macarthyismo II e “sugere” que quem não entrar em consonância com a propaganda dos EUA deve estar trabalhando para Moscou relata Robert Parry.


Profetas


Talvez não seja surpresa que o mergulho do governo dos EUA nessa Guerra Fria II esteja trazendo de volta todos os temas da propaganda anticomunista e anti-Rússia e de promoção dos “valores” norte-americanos que dominaram a Guerra Fria I. Mesmo assim, é gravemente preocupante a rapidez com que a grande imprensa-empresa norte-americana já retomou os temas daqueles anos, especialmente o New York Times, que já emergiu como veículo preferencial de propaganda da Washington Oficial.
O que mais espanta no comportamento do NYT e de muitos outros veículos da grande imprensa-empresa comercial nos EUA é a absoluta falta de autocrítica e de autopercepção. Todos esses “grandes veículos” acusam a Rússia de fazer propaganda e comprar solidariedades, aparentemente sem ver que o que a Rússia talvez faça não é nem sombra do que o governo dos EUA faz comprovadamente e rotineiramente, servindo-se para tanto das empresas de imprensa & noticiário. O NYT e todos os demais veículos de comunicação de massa agem como se só Moscou fizesse o que todos eles fazem mais aplicadamente e mais frequentemente.
Caso exemplar foi a matéria de primeira página da domingo (7/6/2015) do NYT, sob a manchete Russia Wields Aid and Ideology Against West to Fight Sanctions [Rússia usa Ajuda e Ideologia contra o Ocidente, em luta contra sanções], o jornal “esclarece”:
Moscou mobilizou três diferentes armas, na avaliação de funcionários norte-americanos e europeus: dinheiro, ideologia e desinformação. [1]
O artigo, de autoria de Peter Baker e Steven Erlanger, pinta o governo Obama como se estivesse sem defesas, ante o massacre dos despudorados russos:
Com o governo Obama e seus aliados europeus já tendo de impedir que se alastre a intervenção russa, eles também têm de enfrentar luta interna, contra o que veem como ação planejada por Moscou para alavancar o próprio poder, financiar partidos e movimentos políticos europeus e disseminar versões diferentes sobre o conflito.
Como muitos outros artigos recentes do NYT, esse também reproduz acusações feitas por funcionários europeus e dos EUA, mas absolutamente sem qualquer investigação jornalística, sem provas e sem ouvir o lado russo, sobre as acusações.
Ao final da longa matéria, os autores citam palavras de uma funcionária da Brookings Institution, Fiona Hill, ex-funcionária da inteligência dos EUA, que faz rápida referência à ausência de provas: “O que não se sabe é quantas provas sólidas há de tudo isso”. E só. O leitor do NYT, caso esteja à procura de reportagem séria, nada encontrará além dessa suposta “voz do outro lado”.
Escrever/falar muito, para NÃO informar sobre os fatos
Com tudo isso, o aspecto que mais chama a atenção no artigo é o quão amplamente os jornalistas deixam de lado a gigantesca quantidade de provas de que o governo dos EUA e seus aliados estão financiando operações de propaganda e apoiando ONGs que nada têm de “não governamentais”, porque são constituídas e mantidas exclusivamente para favorecer e divulgar pelo mundo as políticas do governo dos EUA.


Além do mais, o jornal fracassa ao não reconhecer que muitos dos relatos dos próprios funcionários do governo Obama, quando falam de questões globais, são relatos de propaganda, para ativamente desinformar a opinião pública.
Por exemplo, já se sabe com certeza que praticamente tudo que o Departamento de Estado “informou” sobre o ataque com gás sarín dia 21/8/2013 na Síria era mentira. Inspetores da ONU só encontraram um foguete carregado com sarín – não a imensa quantidade de foguetes de que falaram inicialmente os funcionários do governo dos EUA – e era foguete de curto alcance, muito mais curto alcance do que “informavam” o governo dos EUA e o New York Times [ver NYT Backs Off Its Syria-Sarin Analysis (NYT obrigado a desmentir as próprias análises sobre Síria e gás sarin)].
Na sequência, depois do golpe de 22/2/2014 na Ucrânia apoiado pelos EUA, o governo dos EUA e o NYT converteram-se em fontes inesgotáveis de propaganda, mentiras e desinformação. Além de recusar-se a ver o papel chave que os neonazistas e outras milícias também de extrema direita haviam tido [e continuam a ter] no golpe e na violência subsequente, o Departamento de Estado só fez passar “informes” falsos, como adiante se comprovou, para que fossem publicados no NYT.
Em abril de 2014, o NYT publicou matéria de primeira página baseada em fotos que supostamente mostrariam soldados russos na Ucrânia. Dois dias depois foi obrigado a desmentir-se, porque se descobriu que o Departamento de Estado mentira sobre a ocasião e o local onde havia sido feita uma das fotos que “comprovariam” a invasão russa. Sem a foto-prova crucial, toda a matéria desmoronou como castelo de cartas [vide NYT Retracts Ukraine Photo Scoop (NYT obrigado a retratar-se, depois de publicar como verdadeira foto alterada em laboratório)].
Outras vezes, a propaganda veio diretamente de altos funcionários do governo dos EUA. Por exemplo, dia 29/4/2014, Richard Stengel, Subsecretário de Estado para Diplomacia Pública, emitiu uma Dipnote na qual denunciava que a rede russa RT estaria pintando “quadro perigoso e falso do legítimo governo da Ucrânia”. “Legítimo governo”, para Stengel, seria o grupo golpista que assumiu o poder depois que o presidente eleito Viktor Yanukovych foi deposto. Nesse contexto, Stengel definiu a rede RT como “máquina de distorção; não é organização de distribuição de notícias”.
Sem oferecer nem as datas nem o horário em que os tais programas que tanto o ofenderam teriam ido ao ar, Stengel reclamou da “incansável repetição, sem qualquer questionamento, da ridícula afirmação (...) de que os EUA teriam investido US$ 5 bilhões na mudança de regime na Ucrânia. Não são fatos, nem opiniões. São mentiras, e quando a propaganda se traveste de noticiário, ela cria novos perigos reais e dá luz verde à violência”.
Pois a “ridícula afirmação” de RT, sobre os EUA terem aplicado US$ 5 bilhões no golpe para derrubar o governo eleito na Ucrânia, logo foi confirmada em discurso público feito pela Secretária de Estado Assistente para Assuntos Europeus e Eurasianos Victoria Nuland e dirigido a empresários norte-americanos e ucranianos, dia 13/12/2013. Nuland informou àqueles empresários que “já investimos mais de US$ 5 bilhões” no que tem de ser feito para a Ucrânia alcançar sucesso em suas “aspirações europeias”. [Vide Who’s the Propagandist: US or RT?(Quem é propagandista: EUA ou RT)].
Pode-se seguir adiante com os muitos casos em que o governo dos EUA mentiu ou falseou informação verdadeira nessa ou em outras crises internacionais. O que importa é deixar bem claro que a Washington oficial não tem as mãos limpas no que tenha a ver com fazer propaganda e impô-la à opinião pública como se fosse noticiário e jornalismo, por menor que seja a probabilidade de você ser informado sobre esse perigo pela matéria do NYT na domingo (7/6/2015).
Financiar golpes, golpistas e golpismos
À parte a disseminação direta de desinformação, por ação comunicativa do governo dos EUA, o mesmo governo dos EUA também distribuiu centenas de milhões de dólares para manter organizações “jornalísticas”, ativistas políticos e ONGs que existem para promover as metas políticas dos EUA dentro de países-alvos. Antes do golpe de 22/2/2014 na Ucrânia, havia centenas de operações desse tipo no país, mantidas pela “Dotação Nacional para a Democracia” [ing. National Endowment for Democracy, NED]. O orçamento dessa NED, pago pelo Congresso dos EUA, é superior a US$ 100 milhões/ano.

Mas a NED, que é presidida pelo neonconservador Carl Gershman desde que foi fundada em 1983, é só uma parte do quadro. Há inúmeras outras frentes de propaganda ativas sob o guarda-chuva do Departamento de Estado dos EUA e de sua USAID (US Agency for International Development). [2] Dia 1º de maio passado, a USAID lançou informe em que faz relatório resumido do seu serviço de pagar jornalistas “amigos” em todo o mundo, incluindo
(...) formação e treinamento de jornalistas, desenvolvimento de empresas-imprensa, construir capacidades para instituições de apoio a empresas-imprensa, e fortalecimento do marco legal regulatório de proteção à liberdade de imprensa.
A agência USAID estimava em US$ 40 milhões anuais o seu orçamento para “programas de fortalecimento da mídia independente em mais de 30 países”, incluindo ajuda a “organizações de midialivrismo e blogueiros defensores da liberdade de imprensa em mais de 12 países”. Na Ucrânia, antes do golpe, a USAID deu treinamento a jornalistas interessados em “segurança na telefonia móvel e websites”.
A USAID, trabalhando com a ONG Open Society do bilionário George Soros, também financia o Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção, engajado em “jornalismo investigativo” que se dedica a perseguir governos que tenham caído em desgraça em Washington, contra os quais se organiza sempre verdadeira barragem de acusações de corrupção. A ONG Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção [ing. Organized Crime and Corruption Reporting Project, OCCRP], foi fundada pela USAID e também colabora com Bellingcat [3], website dito “investigativo”, fundado pelo blogueiro Eliot Higgins. [4]
Já várias vezes Higgins distribuiu informação falsa pela Internet, inclusive longos “relatórios” já desmentidos, que atribuíam ao governo sírio integral responsabilidade no ataque com gás sarín de 2013 (...), além de outras notícias que, na sequência, também foram desmentidas.
Apesar de seu duvidoso currículo no campo da seriedade jornalística e acuidade, Higgins é elogiadíssimo por jornalistas das imprensa-empresas comerciais, com certeza porque os “resultados” das “investigações” dele sempre coincidem perfeitamente com o tema de propaganda em que o governo dos EUA e seus aliados estejam promovendo. Enquanto outros blogueiros mais genuínos e visivelmente menos dependentes de empresas e governos dos EUA são ignorados (quando não são execrados e desqualificados) pelas empresas jornalísticas “amigas dos EUA” e seus jornalistas empregados, Higgins só ouve elogios.
Em outras palavras: faça a Rússia o que fizer para dar a conhecer a sua versão dos fatos na Europa e nos EUA e nos países da órbita das “comunicações” norte-americanas, o governo dos EUA, servindo-se de seus agentes diretos e indiretos de influência, sempre está a postos para fazer calar, seja a versão russa, seja qualquer outra versão que não seja... a dos EUA.
Guerra Fria I - Cortina de Ferro

De fato durante a Guerra Fria original, a CIA e a antiga Agência de Informação dos EUA [orig. US Information Agency] refinaram a arte e as técnicas da “guerra da informação”, incluindo a criação/invenção de alguns dos traços e formulações que estão hoje em circulação, como a presença de entidades ostensivamente autodeclaradas “independentes” [mas não se sabe (a) do que/quem seriam independentes, nem (b) do que/quem dependem para subsistir (NTs)]; e a implantação na sociedade da ideia de que noticiário distribuído por entidades públicas de informação e comunicação não teria qualquer credibilidade; mas qualquer autodeclarado “jornalista-cidadão” ou “jornalismo-cidadão” e/ou qualquer blogueiro autodeclarado “independente”, esses, sim, seriam confiáveis.
Assim se construiu a rede conceitual e prática da moderna propaganda. Nessa rede insere-se hoje o New York Times que apareceu ao mundo, domingo passado (7/6/2015), para “noticiar” que quem não repita a propaganda do governo dos EUA... com certeza já foi subornado pelo “ouro de Moscou”.
Assim sendo, agora que já temos ativada a propaganda mais ensandecida da Guerra Fria II, só resta temer, para breve, o macarthyismo II.
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Notas dos tradutores
[1] Ainda assim, D. Eliane Cantanhede faz pior que o NYT. Ela mobiliza dinheiro, ideologia, desinformação plus as “marketagens” do marido dela, publicista a soldo do tucanato udenista golpista no Brasil. O Estado de S.Paulo incluído nele D. Eliane Cantanhede, é jornalismo de segunda mão, fora de lugar, atrasista, golpista chato de ler e muuuuuuuuito tolo.
[2] A USAID norte-americana foi ativíssima no Brasil desde os primeiros dias da ditadura, em conluio com sucessivos Ministérios da Educação e Cultura da ditadura, colaboração que ficou conhecida como “Acordos MEC-USAID”. Para saber mais, leia Fora MEC-USAID!.
[3] Bellingcat é grupo de “jornalismo investigativo” [só rindo!] muito citado na Folha de S.Paulo: “Analista critica alegações de manipulação no caso do voo da Malaysia Airlines. O grupo de pesquisa Bellingcat acusou a Rússia de manipulação das imagens por satélite do desastre do voo 17 de Malaysia Airlines”. A notícia é incopiável, só acessível a assinantes do UOL, o que ninguém aqui é e jamais será.
[4] O que se lê na wikipedia, nesse verbete, deve ter sido redigido pelo próprio Higgins: é pura autopropaganda.
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[*] Robert Parry é um jornalista investigativo norte-americano.Recebeu Prêmio George Polk de Reportagem Nacional em 1984 por seu trabalho na Associated Press sobre o caso Irã-Contras quando descobriu envolvimento de Oliver North. Trabalhou como correspondente em Washington para a Newsweek. Em 1995 fundou o ConsorctiumNews, um espaço de noticiário liberal online dedicado ao jornalismo investigativo. De 2000 a 2004, trabalhou para agência Bloomberg. Parry escreveu vários livros, incluindo Lost History: Contras, Cocaine, the Press & “Project Truth” (1999) e Secrecy & Privilege: Rise of the Bush Dynasty from Watergate to Iraq (2004).

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